sábado, 11 de junho de 2011

HERÓIS DE FREUD

Todos somos mais ou menos assistentes ou personagens da apatia, da paranóia ou da esquizofrenia do cotidiano da vida.
Este jovem, por exemplo, que se julga o ídolo das mulheres, com o seu andar característico, balançando-se de um lado para outro, e o seu ininterrupto discurso, é um deles.
Aquele era um camarada culto e inteligente, de boa família, trabalhava, escrevia poesias e costumava recitar seus versos de amor, e agora acabou em andarilho que às vezes se senta num banco da praça e ali fica quieto, sorrindo e observando o cotidiano.
Aquele outro era um excelente profissional na área de construção civil, bom pai de família, com esposa e filhos. Agora, solitário, anda pelas ruas dirigindo insultos a inimigos invisíveis.
E finalmente este artista incompreendido que por sua deficiência verbal e auditiva e seu modo desconfiado e esquisito de andar não encontrou um ambiente muito agradável em sua terra natal e acabou indo embora para a capital, onde afinal foi bem recebido, reconhecido por sua capacidade e talento e onde hoje, felizmente, leva uma vida digna.
O primeiro quase todos os dias atravessa a cidade, a passos balanceados, como se fosse um marinheiro, e às vezes leva consigo um violão ... Seu alvo são as mulheres, às quais dirige inocentes galanteios, tais como “olá meu amor, eu quero me casar contigo”.
O segundo caminha devagar, com o mesmo andar tranqüilo e elegante do filósofo que sempre foi. Depois, senta-se num banco desta ou daquela praça e ali fica durante horas tranquilamente, olhando o movimento. Como se vê, não prejudica ninguém. Mas é dotado de uma memória e inteligência capazes de reconhecer pessoas com quem conviveu há muito tempo e estar perfeitamente lembrado de seus nomes e episódios da história de suas vidas.
O terceiro personifica um herói de guerra e costuma permanecer em frente a uma das farmácias da cidade e ali ficar escrevendo com um giz na calçada ou em pedaços de madeira como se estas fossem placas de homenagens que lhe servem às vezes de credenciais ou condecorações. Este cidadão às vezes se mostra agressivo. Não pode ver ninguém falar e sorrir olhando para o seu lado, que se invoca e responde com insultos. Mas sua agressividade é apenas verbal.
E o quarto, apesar de não ser mais um jovem, ainda mantém uma certa jovialidade. É um excelente desenhista e retratista. Como é um deficiente surdo-mudo, vive isolado, talvez porque as pessoas não o compreendam. Mas quando o encontro, ele fica alegre, e além de me ouvir ou ler nos meus lábios o que digo, consegue se comunicar comigo através de sussurros inteligíveis. Faz tempo que se mudou para Porto Alegre. A última vez que o vi, na estação rodoviária da capital, mostrou-me sorridente um troféu que ganhara num concurso de artes, e me disse que estava trabalhando há muito tempo num edifício da Rua da Praia.
Pois eu os entendo, porque são meus amigos e irmãos. Todos eles são boa gente, com a única diferença que deixaram, por circunstâncias da vida, de se importar ou se preocupar com as loucuras e as formalidades do mundo ao seu redor e se enclausuraram e vivem, creio que mais felizes, em seu próprio mundo particular.

Luciano Machado