quinta-feira, 24 de julho de 2014

João Carlos Pereira


Hoje às 14 horas acompanhei o sepultamento do meu amigo e irmão João Carlos Pereira, que faleceu aos 70 anos de idade, completados no dia 8 de julho de 2014.

Conheci o João Carlos na década de 60, quando ele morava com a sua mãe D. Clementina, e suas tias, ali na Rua Silveira Martins, na esquina com a Brigadeiro Canabarro, onde sua mãe trabalhava com instituto de beleza.

Já naquela época o João Carlos tinha uma excelente biblioteca e possuía um espírito estudioso e investigativo em todas as áreas do conhecimento.  Um de seus entretenimentos paralelos ao estudo, naquele tempo, era fazer galenas (um protótipo de rádio receptor) e instrumentos de observação, como binóculos, lunetas, etc. 

Nessa época também se interessava por hipnose e por experimentos de telepatia.  Até que sua mãe, dona Clementina, lhe arranjou um emprego de auxiliar de escritório na gerência da empresa Swift Armour, onde ele passou a trabalhar.

Mas paralelamente continuou seus estudos como autodidata e com sua inventividade.  E lá um dia, ingressou na AMORC – Antiga e Mística Ordem Rosa Cruz, sendo um dos fundadores do Pronaos da Ordem em Livramento, que funcionava numa sala anexa à Loja Maçônica Caridade Santanense.

Em 1968 o João Carlos me convidou para ingressar também na Amorc, mas, aos vinte anos, eu queria mais era passear e namorar.

Com sua mentalidade mais voltada para o estudo e o espiritualismo, o João Carlos insistia para que eu ingressasse também na Ordem, até que um dia apareceu lá em casa com uma maquininha de escrever portátil da marca Olivetti e uma pasta com papéis de carta em branco.

-- Hoje tu não me escapa – disse ele.  Eu vou datilografar uma carta solicitando o teu ingresso na Amorc e tu vais assinar.

E assim, por insistência do João Carlos, ingressei também na Ordem Rosacruz.

O João Carlos, depois de trabalhar na Swift Armour, foi embora para Porto Alegre e lá se transformou num grande vendedor da Enciclopédia Barsa, onde recebeu vários prêmios como campeão de vendas, passando inclusive a chefiar equipes.    

Porém nesse tempo a sua mãe adoeceu e ele teve que retornar para Livramento, desligando-se da empresa, e vindo a ser meu colega na empresa comercial Cademartori, como auxiliar de escritório, onde trabalhamos juntos até 1979, quando saí para ingressar como funcionário do Banco do Brasil.

De lá para cá o João Carlos casou, teve um casal de filhos, e trabalhou por algum tempo com o nosso amigo Júlio Reinecken, que acabava de se instalar em Livramento com escritório comercial de vendas e que, por seu intermédio, também ingressou na Ordem Rosacruz.

O  João Carlos já estava aposentado, quando veio a sofrer de um mal súbito que  o deixou com o braço e a perna esquerda paralisados.  E depois de ficar internado por algum tempo na Casa de Saúde, eu e o amigo Antonio Carlos Valente, conseguimos, junto ao Dr. Ney Almeida, a sua internação no Asilo Mario Motta, onde permaneceu por um longo tempo sob os cuidados daquela benemérita instituição, vindo a falecer no dia de ontem, 23.07.2014.

O João Carlos deixa um casal de filhos, e como legado a seus amigos, uma porção de ensinamentos.

Que Deus o tenha, como um de seus auxiliares espirituais, no grande esquema cósmico universal.

Luciano Machado






sábado, 19 de julho de 2014

‘A LOUCA DE CHAILLOT’


           
            Tem filmes que, mais do que vistos no cinema ou através de locação, merecem ser adquiridos e guardados para rever depois, de tempos em tempos, porque são verdadeiros clássicos ou obras primas da literatura, da dramaturgia e da cinematografia.
           
Já faz uns trinta anos que assisti ao filme a Louca de Chaillot, e desde então  tenho procurado esse filme nas locadoras para ver de novo e não encontro.

O filme é baseado na peça homônima do escritor francês Hypolite Jean Giraudoux e dirigido pelo ator, produtor, diretor e roteirista inglês Bryan Forbes, com Katharine Hepburn e Yul Brynner nos papéis principais.

É a história de uma velha condessa, pertencente à aristocracia francesa arruinada, que ainda conserva a sua velha casa, suas jóias, sua pose, suas lembranças e seu vestuário.  Ela costuma freqüentar um café de Paris, onde se encontra com outras figuras, igualmente empobrecidas, remanescentes da velha aristocracia, que agora vivem de lembranças, e com as quais se reúne, às vezes, para tomar um chá em sua casa. 

            Indignada com a avidez dos que querem transformar a cidade de Paris num imenso campo de prospecção de  petróleo, ela e seus amigos começam a montar um tribunal secreto, no porão da casa, onde serão julgados os maus empreendedores.

            Para isso, envia correspondências a todos eles, informando-os de que, no subsolo de sua mansão, existe um poço de petróleo, e os convida para visitarem o local.

            Enquanto isso, convida uma velha amiga, juíza aposentada, a presidir o tribunal, e a outros antigos membros da nobreza, hoje transformados em mendigos, trapeiros  e papeleiros, para desempenharem  papéis de advogados de acusação e defesa.  E assim têm abertura os trabalhos, onde cada político ou empresário inescrupuloso é julgado por seus crimes.

            Na medida em que os convidados (réus) vão chegando, depois de proferidas suas sentenças prévias, são conduzidos ao subsolo, sob o pretexto de visitarem ali uma suposta jazida de petróleo.

            Depois que todos os convidados são previamente julgados, sentenciados e executados, isto é encerrados para sempre no escuro subterrâneo revestido de pedras de  sua casa, para onde cada um deles é convidado a descer por uma escada, então a porta é fechada, definitivamente,  e a condessa e seus auxiliares dão por encerrada a sessão daquele tribunal improvisado.

            Em linhas gerais a história é essa, mas o filme não se resume nisso.  É uma verdadeira pérola cinematográfica, do princípio ao fim, com o seu roteiro, seus diálogos, sua filosofia e sua realidade.

            A velha condessa chamada de ‘a louca’ por sua excentricidade, e seus amigos, promovem o ato de justiça  a um estágio ideal de eficácia e imparcialidade.



Luciano Machado
TEMPO DAS MATINÉS …

DO CINE COLOMBO
DO CINE INTERNACIONAL
DO CINE CACIQUE
DO CINE GLÓRIA
DO CINE ODEON
DO CINE DUQUE
DO CINE DA BRIGADA MILITAR
DO CINE DO ARMOUR
DO CINE PLANELLA
DO CINE HERMES
DO CINE AMÉRICA
DO CINE AVENIDA
DO CINE IMPERIAL
DO CINE GRAN REX
DO CINE ASTRAL ...

Luciano Machado

sexta-feira, 18 de julho de 2014


“ABRAÇADO AO MEU RANCOR”






É o título de um livro e de um conto de João Antônio Ferreira Filho – João Antônio – escritor paulista nascido em 1937 e falecido no Rio de Janeiro em 1996.

Nesse conto João Antônio faz uma severa crítica à sociedade, pelo egoísmo e abandono de seus valores e irmãos menos favorecidos.

Depois de uma trajetória literária que começou em 1963 e culminou com a sua morte em 1996, João Antônio se destacou, ao lado do seu conterrâneo Plínio Marcos, como um historiador da vida noturna e boêmia paulista, entre as décadas de 1940 a 1960.

Valho-me do título desse conto do João Antônio porque ele bem caracteriza o estado anímico dos que vivem realmente abraçados ao seu rancor e dele não abrem mão. Pelo contrário, o realimentam, constantemente, com esse ódio progressivo por seus semelhantes. E aqui o termo “semelhantes” está corretamente empregado, porque todos, brancos, negros, pobres e ricos, são feitos da mesma essência ou matéria prima.

Esse ódio, infelizmente, vai se acumulando e transformando em rancor ( uma espécie de cancro espiritual que vai corroendo as pessoas por dentro), o que não é aconselhável nem saudável para ninguém.

Por falta de uma orientação adequada, educacional, moral, filosófica e espiritual, muitos se entregam a esse deletério círculo vicioso: enquanto alguns roubam e se locupletam com o dinheiro público, outros ficam se acusando ou jogando a culpa dos seus problemas na sociedade, no partido adversário ou num governo que eles mesmos escolheram ou ajudaram a eleger.

Talvez tenha sido por isso que, ao longo da história, alguns indivíduos resolveram abandonar a sociedade, inclusive a própria família, para irem viver como vagabundos ou eremitas, afastando-se do mundo dito civilizado e dos seus habitantes, para não continuarem se contaminando com as mazelas, rixas e odiosidades daqueles que pregam a discórdia e a cizânia, e vivem, como disse João Antônio, abraçados ao seu próprio rancor.









Luciano Machado

JUSTIÇA


Esta senhora de que muitos têm fome,
Que segura uma espada em sua mão,
Tem os olhos vendados com razão
Para não ver o que fazem em seu nome. 

Existe um ditado em  castelhano
Que diz “hecha la ley, hecha la trampa”
Porque a corrupção a tudo encampa
E lutar contra ela é um engano.


    Luciano Machado                                                           

                        

domingo, 13 de julho de 2014

 


                                                             

A RATAZANA E O ROUXINOL


Era uma vez, num lendário país, uma ratazana que se ufanava de percorrer longos trechos de seu malcheiroso esgoto sem perder a pelagem arrepiada e a suposta elegância no andar por esses caminhos ...

Certo dia, enquanto rascunhava um manifesto que pretendia lançar a público, com a pena enfiada no focinho, ia dizendo por entre dentes:

-- Aqueles que como eu possuem uma tradição a zelar, herança de meus ancestrais ...

-- E o que faziam seus ancestrais?, perguntou um rouxinol de cima de uma roseira cujos ramos pendiam para o jardim.

--  Oh, disse a Ratazana, meus ancestrais possuíam castelos e eram poderosos e temidos senhores feudais ...

-- E como viviam as pessoas nesse tempo? --  quis saber o curioso pássaro.

--  Ah, as pessoas nesse tempo viviam no combate a seus inimigos e obedeciam em suas relações ao mais rigoroso sistema protocolar ...

-- Em que consistia esse protocolo?

-- Oh ... por exemplo ... não se misturavam com seus adversários, não mantinham relações de amizade com criaturas de baixo nível nem se permitiam ouvir pássaros que não estivessem engaiolados, ou poetas e menestreis que não fossem especialmente contratados para audições privadas...

-- Quer dizer que não cultivavam a arte e a vida ao ar livre?

-- Oh, não ...  A não ser o nobre esporte da caça, quando anoitecia mandavam recolher as pontes de seus castelos e, enquanto os guardas vigiavam nas torres, participavam da ceia em família, à luz de velas, dispostas em finíssimos candelabros de ouro, ouviam a leitura dos clássicos para fazer a digestão e depois se recolhiam aos seus luxuosos aposentos ...

-- Sem tomar banho?


A ratazana não se deu ao trabalho de responder a essa pergunta.

-- Então não apreciavam uma poesia ao luar nem ouviam as canções matinais? – insistiu o Rouxinol.

-- Oh, não!  Era um dever da alta nobreza manter seus hábitos inalterados, sem deixar-se contaminar pela vida mundana e promíscua daqueles pobretões das aldeias que circundavam o castelo.

-- E como pretende você, minha querida  ratazana, manter essas tradições e idéias ultrapassadas nos dias de hoje em que diferentes categorias econômicas costumam sentar à mesa por uma indispensável conveniência de cortesia ou estratégia política e sejam as pessoas distintas obrigadas a tratar no dia-a-dia com as chamadas classes inferiores?


-- Oh, isso é uma afronta à preservação dos costumes da nobreza que não me cansarei nunca de denunciar.  Estamos a passos largos caminhando para o caos, já não existe a privacidade dos castelos nem a pureza imaculada das classes ...  O mundo está entregue a legisladores plebeus, eleitos por seus iguais, que defendem – que ousadia! – os direitos humanos e a partilha das riquezas, dos sagrados bens de família com pés rapados que já nasceram pobres e nunca tiveram acesso à educação e jamais ouviram falar em “direitos herdados” transmitidos milenarmente de pais a filhos ...

-- E você não acha, minha erudita ratazana, com todo o respeito às suas herdadas convicções de posse e propriedade, que cada um deveria conquistar o seu espaço e bens pelo sacrifício da própria luta e do seu trabalho, sem nada receber de mão beijada?

-- Ora, quem está falando?!  Um rouxinol vagabundo que nada possui e que está trepado num galho de minha roseira sem pagar aluguel ... Chô!

-- Engana-se, minha nobre roedora de ilusões, esta roseira pertence a si mesma.  Quanto a mim, usufruo dos bens da natureza, desfruto da liberdade de voar e entoar minha canção e sou irmanado com todos os seres.  Eu amo você, apesar do mau cheiro, sem nenhum preconceito de espécie, raça ou família, cultivo a humildade de observar, ouvir e aprender com os outros e não me sinto inferior ou superior a ninguém.  Sou o que sou, um rouxinol.  E porque nada possuo, não tenho inimigos ou receios de algo perder; não dito normas de conduta nem preciso me prevenir ou guardar rancores, mas simplesmente voar, amar  e cantar.  

                      
    Luciano Machado
                                                                      

sábado, 12 de julho de 2014

AS CRIANÇAS E O TRABALHO


Eu agradeço a Deus que meus filhos e meus netos não tenham precisado trabalhar, como eu trabalhei, a partir dos 8 anos de idade, cortando canas de milho para alimentar as vacas de um vizinho que me pagava por dia, além de vender verduras do nosso quintal com um balaio de casa em casa.

Como já escrevi sobre este assunto, não quero me estender muito, nem repetir o que já disse em outra oportunidade, quando falava das crianças paraguaias, entre 8 e 12 anos, que foram recrutadas como soldados para brigar contra os exércitos dos aliados da tríplice aliança, formada pelo Brasil, Uruguai e Argentina, e trucidadas impiedosamente na Guerra do Paraguai, que reduziu a população daquele país, que era de um milhão e duzentos mil habitantes, para apenas duzentos mil habitantes depois da guerra.

Agora me deparo com a notícia de que na Bolívia as crianças poderão trabalhar a partir dos dez anos de idade e com o escândalo de algumas pessoas que não concordam com isso.

Escândalo, meus amigos e amigas, é saber que milhares de crianças morrem de fome e de sede diariamente, quando não são trucidadas por bombardeios criminosos, como aconteceu no Japão, no Vietname, no Iraque e em outros países, e agora continua acontecendo na Palestina.


Luciano Machado




sexta-feira, 11 de julho de 2014

NÃO CHORES POR MIM, ARGENTINA !


            Em tempos de mulheres no poder, seria bom recordarmos talvez a maior delas.  Nascida numa pequena cidade do interior da Argentina, Eva Duarte era filha bastarda do rico fazendeiro Juan Duarte com uma de suas empregadas. 

            O destino de Evita está vinculado a uma série de coincidências ligadas ao nome Juan.   Seu pai, sua mãe, seu irmão tinham esse nome. 

            E essa coincidência se completou ao conhecer o coronel Juan Domingo Perón, vice-presidente, que logo depois seria deposto e preso por seus colegas militares sob a acusação de estar fazendo campanha em favor dos trabalhadores.

            Evita então, usando seu prestígio de atriz de rádio, cinema e teatro, levantou o clamor do povo contra a prisão de seu namorado e amante e este, dois dias depois, estava de novo na sacada do palácio acenando para a multidão que o aplaudia.

            Durante o mandato de seu marido, Evita conseguiu realizar vários de seus sonhos de menina pobre, como ter prestígio, poder, jóias e roupas caras.

            Mas foi uma lutadora pelos direitos dos oprimidos que a chamavam de mãe e brigavam por ela.  Evita e Perón fizeram um governo voltado para o lado social e conseguiram se tornar imortais, lembrados, amados e reverenciados pelo povo argentino.

            Tanto assim que Perón foi eleito duas vezes, em l946 e 1973, ao voltar de seu exílio.

            Mas grande parte da popularidade do governo de Perón se deveu ao trabalho de Evita junto aos pobres e necessitados, que lhes construiu casas e criou leis sociais que os amparassem.  Por este motivo muitos acharam que era uma militante de esquerda.  Mas, pelo contrário, foi até criticada pela esquerda argentina em muitos aspectos, um deles, por mágoa das mulheres do PC, ao instituir, não sendo do partido, o voto feminino.

            Dizem as más línguas que Evita, por outro lado, era implacável com seus adversários e inimigos políticos e que mandou castrar vários deles, conservando, como testemunhos do seu poder, os testículos deles num recipiente com álcool e à mostra em cima de sua escrivaninha.

            Quando Evita morreu, seu corpo foi embalsamado e exposto à visitação pública, depois foi roubado e sepultado na Itália, depois exumado e trazido para a Espanha onde Perón estava exilado, e finalmente, depois de muito tempo, após a morte de Perón, em 1974, mandado trazer para a Argentina por Isabelita, terceira esposa e viúva de Perón, no exercício da presidência.

            Os relatos sobre Evita são muito controvertidos.  Uns a defendem e endeusam.  Outros combatem a sua imagem, como o sociólogo argentino J. J. Sebreli, que desmente, em seu livro “Ensaio contra Mitos”, vários fatos relacionados a ela e a Perón.

            De qualquer sorte, Evita foi uma grande mulher, a primeira latino-americana de origem humilde a exercer o poder feminino ao lado de um chefe de estado, capaz de influir em seu governo de um  modo muito especial,  marcante e extraordinário.

            Evita foi imortalizada na peça musical “EVITA’ e na canção “Não Chores por Mim, Argentina”, com música de Andrew Lloyd Webber e texto de Tim Rice, e interpretada por Madona no filme EVITA de Allan Parker.

                         Luciano Machado
                                                                               


            

quarta-feira, 9 de julho de 2014

CAUSOS DO CATY – DE PEDRO ANTONIO D’AVILA


Terminei de ler com imenso prazer o livro Causos do Caty, de autoria de Pedro Antonio D’Avila, o qual, com grande propriedade e conhecimento da história local, nos conta alguns episódios daquele período, compreendido entre a segunda metade dos anos 1800 e início dos anos 1900 ..., nos tempos do Quartel do Caty, comandado pelo Coronel João Francisco Pereira de Souza.

Os causos são narrados pela boca de peões de estância, à beira do fogo de chão do galpão de uma de nossas fazendas do interior do município.

São quase cem páginas narrando em forma de causos a história de nossa fronteira, com tanta verossimilhança e  riqueza de detalhes que nos transportam pela imaginação àquela época longínqua, fazendo com que visualizemos o cenário dos lugares, com suas estradas de chão,com suas longas viagens de carreta de ida e volta que demoravam vários meses através dos campos, desde Rivera até a cidade de Montevidéu, com suas carruagens, seus tipos humanos, sua indumentária  e o ambiente pastoril em que viviam.

Também o autor descreve com perfeita nitidez, através de sua narrativa, alguns incidentes históricos internacionais, como é o caso da invasão da cidade de Rivera pelo Coronel João Francisco Pereira de Souza, para destruir a redação de dois jornais brasileiros adversários que funcionavam na vizinha cidade.

Também Pedro Antonio nos fala da revolução civil uruguaia,  entre blancos e colorados, que culminou com o combate de Massoller, em 1904, na divisa entre as cidades de Rivera e Artigas, onde foi gravemente ferido o caudilho uruguaio  Aparício Saravia, líder do partido Blanco, que depois veio a morrer na fazenda da mãe do Coronel João Francisco, no lugar denominado Rincão do Maneco, do lado brasileiro.

Quem conhece a história de nossa fronteira naquela época tem a oportunidade de confirmar o que já sabe, e quem não a conhece, de ficar sabendo, através das páginas do livro Causos do Caty, do santanense, escritor e engenheiro Pedro Antonio D’Avila de Mello.


Luciano Machado

segunda-feira, 7 de julho de 2014

IMAHERO PEREIRA  DE PEREIRA

I lustre amigo e irmão
M erece muita atenção
A o falar de nossa história.
H istoriador de memória,
E le o faz com emoção,
R ecordando vários fatos
O s quais transforma em relatos.

P oeta memorialista
E le gosta de trovar
R egistrando com cuidado
E m estilo repentista
I nteressantes passagens
R esgatadas do passado
A onde as vai buscar.

D e um tempo de bravura
E le fala com ternura.

P or ser um batalhador
E m que pese a rebeldia
R epresenta um vencedor
E m coragem, valentia,
I nteligência e valor,
R enomado professor
A ensinar cortesia.

Homenagem ao amigo Imahero Pereira, ao completar 83 anos de idade em
 06.07.2006.     Hoje, 06.07.2014,  estaria completando 91 anos. 

                                                                                     
  Luciano Machado.
            

domingo, 6 de julho de 2014

O SÁBIO E FILÓSOFO GIORDANO BRUNO


            Em 1548 nascia Giordano Bruno, que se fez monge dominicano (de domini + canes = cães do Senhor) e que independente do estudo dos temas obrigatórios como membro da ordem fundada por São Domingos de Gusmão, estudou por sua conta  diversos outros assuntos, entre os quais magia e ocultismo.

            Entre as chamadas ciências ocultas que ele estudou, uma delas era ver o caráter das pessoas através dos traços fisionômicos.  E Giordano Bruno era um mestre neste assunto.

            Certa vez, e isto está no filme de Giuliano Montaldo sobre a sua vida, enquanto bebia vinho numa taverna com um amigo, observava as fisionomias ao redor e ia dizendo: este sujeito tem cara de rato, aquele outro tem cara de porco e aquele tem cara de peixe.   Segundo a teoria de Giordano Bruno ter cara de um animal era possuir os seus instintos.  O seu amigo começou a observar os demais por sua conta e adivinhar, por suas fisionomias, o bicho a que correspondia e a noite tornou-se alegre e divertida.  Assim, o que tinha cara de rato agia como tal; o que tinha cara de porco, de fato, tinha virado a comida e o vinho sobre a mesa; e o que tinha cara de peixe, por seus movimentos, parecia um peixe fora da água.

            Frei Giordano, por seu estranho posicionamento em desacordo com a doutrina da igreja entrou em atrito com seus superiores, viu-se obrigado a fugir do claustro e depois de perambular por vários países estudando e lecionando filosofia, astronomia e matemática, retornou à Itália radicando-se em Pádua e depois em Veneza.

            Agora, sob a proteção de um rico comerciante de nome Mocenigo, em cuja casa residia, Giordano passava seus dias lecionando seu protetor e escrevendo e as noites percorrendo as tabernas do lugar onde se fixara.  Raramente era visto numa festa.  Mas quando isto acontecia, era um irreverente e um impiedoso crítico da sociedade.  A tal ponto que começou a granjear a inimizade e a antipatia das pessoas, embora no fundo estas o admirassem por seus conhecimentos e sua sabedoria.

            Devido às suas observações e ensinamentos não condizentes com a doutrina da igreja e os costumes da sociedade e também por já não estar o seu protetor satisfeito com suas aulas particulares sobre magia e arte de memória, um dia foi preso pelo próprio Mocenigo em seu domicílio e encaminhado às autoridades; e depois de permanecer algum tempo no calabouço, foi conduzido perante o tribunal da inquisição.  Após o interrogarem e torturarem barbaramente sem que o demovessem de suas idéias nem abjurasse do que costumava pregar, e apesar da boa vontade do Papa Clemente VIII em absolvê-lo si se retratasse, o que não fez, foi então condenado e entregue às autoridades civis, amarrado, amordaçado com um anel de ferro e conduzido à fogueira, onde morreu queimado em 1600, aos 52 anos de idade.

Por uma ironia da fé, da ciência e do destino, de nada lhe valeu dizer a verdade e identificar instintos na fisionomia de seus inimigos.

O ator Gian Maria Volontè, que personificou Giordano Bruno nesse filme, morreu aos 61 anos em 1994.

                        Luciano Machado

            

A EGRÉGORA


            É importante estarem as pessoas sob o manto protetor da egrégora de um grupo a que pertençam, seja ele qual for, familiar, profissional, social, religioso ou filosófico, onde reine a amizade, o companheirismo, a solidariedade e a harmonia entre seus membros, cujos pensamentos e energias se somam.

            A egrégora pode existir num grupo familiar, num grupo de trabalho, num grupo de estudos, numa sala de aula, no quadro social de uma empresa, numa sociedade filosófica, numa confraria ou grupo de amigos, e até naquele grupo de pessoas com ou sem teto que se reúne na praça.

            E há de ser boa ou má, segundo o comportamento e a atmosfera mental predominante entre os indivíduos que a integram.

            Quando, numa corporação, alguns de seus membros são desonestos, inimigos dos seus clientes e inimigos uns dos outros tem-se uma atmosfera negativa.

            Quando, por outro lado, o grupo é formado de pessoas honestas, piedosas, bem intencionadas, amigas entre si e preocupadas com o bem comum, ter-se-á uma egrégora positiva.

            Podemos mencionar como egrégoras mentais positivas as egrégoras daqueles grupos de trabalho onde todos se voltam para uma boa causa, como dos clubes de serviço, dos hospitais, das sociedades filosóficas, das entidades beneficentes e dos centros espiritas ou espiritualistas.

            Um exemplo de egrégora permanente é a da Grande Loja Branca.  Ela congrega todos aqueles mestres cujos espíritos, tendo cumprido a sua missão aqui na Terra, ao desencarnarem, se reúnem no plano espiritual para fazer o bem a quem necessitar ou invocar a sua ajuda e proteção.         
           

               Luciano Machado

sábado, 5 de julho de 2014

OLAVO SALDANHA FILHO


Parece constituir uma  regra invariável o fato de os filhos desta terra, embora tenham triunfado em outros lugares, ao retornarem, com suas ideias e projetos, não os conseguirem colocar em prática por aqui.

Ibañez Filho, cineasta santanense, em 1979 tentou desenvolver aqui um curso de arte dramática.  Após manter alguns contatos, tudo parecia encaminhar-se conforme seus objetivos.  Seus planos, entretanto, não deram certo, e acabou voltando para o Rio de Janeiro de onde, segundo ele, jamais deveria ter saído.

Outro santanense idealista foi Olavo Saldanha Filho.

Conheci o Olavo na década de 70, no Bar Ponto Chic, quando ele era professor de filosofia na antiga ASPES – Associação Santanense Pró-Ensino Superior.

Intelectual de pensamentos e idéias muito claras, muito próprias e idealisticamente avançadas para se concretizarem num ambiente de hábitos culturais tão inadequados ao que pretendia, Olavo nos relatou a sua trajetória, desde que saiu de Livramento, suas viagens, estudos e experiências pelo mundo afora, até as primeiras incursões pelo teatro, onde se distinguiria com várias premiações como diretor e ator.

Mas Olavo nunca comentou conosco estes detalhes de premiação, nem o fato de o seu nome constar como verbete numa das maiores enciclopédias internacionais.  Isso eu soube depois, por intermédio do nosso amigo em comum Sr. Adyr Moreira Simões.

Olavo, até por respeito à inteligência alheia, era avesso a falar de seus próprios méritos.  Impunha-se pela grandeza do seu caráter, por seu gênio e talento, demonstrados em suas atuações no palco ou fora dele.

E, no entanto, parecia com o seu entusiasmo estar apenas no início de uma jornada.

Tinha sonhos e projetos para desenvolver e precisava de apoio de seus conterrâneos.

Esse apoio obteve junto ao empresário Sr. Guilherme Brisolla, homem culto e esclarecido, que num gesto de sensibilidade, bom senso e simpatia pela arte, lhe cedeu as dependências de um prédio central de sua propriedade, a fim de que montasse a sua companhia de teatro, pudesse treinar seus atores, ensaiar e encenar suas peças.

Mas infelizmente, nessa época, Olavo já estava enfermo.

Ainda assim, numa cadeira de rodas, dirigia seus espetáculos, que não foram muitos, mas expressaram a marca de sua genialidade na encenação de várias peças clássicas.

A doença enfim o obrigou a retirar-se do campo de batalha.  Entregou sua bandeira para o J. N. Canabarro, seu amigo e mais fiel discípulo, e se confinou ao leito.

Um dia fui visitar o Olavo ali na Rua Silveira Martins.  A sua governanta e enfermeira não tinha ainda se retirado e me fez passar.  Quando me viu, ele falou:

-- Ora, mas que agradável supresa ...  Tu não imaginas a alegria que sinto em te ver !  São poucos os amigos que me visitam e tenho passado meus dias e noites enclausurado neste quarto.  A minha secretária, quando sai fecha a porta a chave, joga a chave por baixo e eu fico sozinho.  Mas ela é uma bela criatura e me deixa os alimentos preparados.  Como tu vês, quase não posso me mover, pois este reumatismo me impede até de segurar uma xícara de café.  Por isso peço a gentileza que tu mesmo te sirvas.

Era um sábado de tarde e eu fiquei conversando com o Olavo até a meia-noite.  Nessa ocasião ele me falou um pouco de sua vida pessoal e artística, de suas viagens e permanências do exterior.  E de fatos pitorescos que lhe aconteceram, como foi o seu encontro e amizade com o ator Omar Sharif em Nova Iorque quando, por acidente, virou-lhe sobre o terno branco uma taça de vinho.  E também da grande saudade que sentia de sua esposa e de sua filha que estavam no Rio de Janeiro.

Perguntei-lhe se dormia bem.

-- Não, meu amigo, não durmo.  Passo as noites em claro, lendo e ouvindo música.  Só vou dormir um pouco na parte da manhã.  Não durmo de noite há mais de 30 anos ... O teatro me inculcou esse hábito.

-- E o teu grupo de atores continua trabalhando?

-- Sim. Está nas mãos do nosso amigo Canabarro.  Agora em junho vou embora para Porto Alegre.  Tenho lá um grupo de amigos que me convidaram para dar uma assessoria no seu trabalho.  Não tenho outra saída.  Se ficar aqui estou liquidado.  Vou aproveitar o que me resta de inteiro que é o meu cérebro, tentar fazer algum tratamento de fisioterapia e ajudar outras pessoas a produzirem alguma coisa.  Aqui já cumpri a minha missão.  Mas vou te deixar o meu endereço e telefone, pois eu não sei se volto ...

Essa foi a última vez que conversei com o Olavo Saldanha.

Ele formou aqui muitos atores e conseguiu provar que em Livramento é possível realizar alguma coisa com o apoio das pessoas certas.

E se algum dia voltarmos a ter um teatro municipal, que o nome do nosso ilustre conterrâneo seja lembrado, denominando-se, com justiça TEATRO OLAVO SALDANHA FILHO.

Luciano Machado