quarta-feira, 27 de julho de 2011

O ATO DE ESCREVER DE CADA UM

Numa entrevista à imprensa do filósofo argentino contemporâneo José Pablo Feinmann, que me foi recomendado pelo jornalista e escritor nosso conterrâneo Marlon Aseff, dizia este filósofo que detesta ‘blogs’ (“Cualquier pelotudo tiene um blog!”) e falava daqueles articulistas que, na impossibilidade de terem seus escritos publicados em jornais ou revistas, criam seus próprios blogs e neles escrevem, na esperança de que alguém os leia, mas não caem em si de que seus textos, às vezes, possam ser demasiado chatos, enfadonhos, de má qualidade, pouco inteligíveis ou difíceis de ler.
É verdade que existem bons e maus escritores. Mas também sabemos das formalidades de que se revestem as vias de acesso de certos meios de comunicação que se julgam importantes demais e, como tais, exigem de um desconhecido escritor apadrinhamentos ou cartas de recomendação para publicar uma matéria, mesmo que a reconheçam como bem escrita e fundamentada. Isto, aliás, não é de hoje. Aconteceu no início de suas carreiras com grandes escritores e quase todos eles afirmaram que este é um caminho difícil, árduo e solitário.
Sobre o ato de escrever, Artur da Távola (1936-2008), um dos maiores escritores do nosso tempo, em seu artigo "Reflexão sobre o ato de escrever", publicado na edição anual da Revista de Brasília de 1999, declarou o seguinte: “Escrever é permanecer horas, dias e anos na esperança do encontro, hoje, amanhã ou depois de morto, com algumas pessoas ou muitas almas irmãs com quem sintonizar, o que impossível foi com a maioria das pessoas, até mesmo com quem se conviveu.”
Quanto a escrever bem ou mal, é outra coisa. Tem gente que ainda não aprendeu. Ou está brincando com a paciência e a boa vontade dos leitores. Escrever assim ou assado ou dar a formatação que quiser ao seu texto é um direito de cada um. Existem escritores para todos os gostos, de todos os tipos, qualidades e categorias. E alguns se outorgam a liberdade, de propósito, ou por ignorância, de desobedecer às regras fundamentais. Mário Quintana em seu Caderno H, sob o título de ‘Hermetismos’, diz o seguinte sobre certo tipo de autores e seus respectivos leitores: “Leitor ideal, mesmo, é o que, quanto menos entende, mais admira. Se não fora essa claque providencial, o que seria dos autores herméticos? Eles foram feitos um para o outro.”
O ato de escrever é um dos melhores exercícios de pensar, de raciocinar, de vasculhar os arquivos da memória, de prospectar as jazidas do inconsciente e também de aprender. Mas aqueles que se propõem a escrever devem estar apetrechados de alguns conhecimentos básicos, pelo estudo da gramática, de preferência identificando e aplicando tais conhecimentos, caso a caso, em cima do texto. Além disso, temos o exercício da leitura e o aprendizado que ela por si só nos proporciona. Antes de alguém se aventurar a escrever, é preciso ter aprendido a ler, conhecendo desde a pronúncia até a escrita correta das palavras, os diferentes tipos de pausa ou pontuação, a construção da frase e a divisão das etapas do pensamento através de períodos e parágrafos.
A escrever bem ou criar um modo literário pessoal não se aprende nas escolas, em academias ou oficinas literárias. Escrever, depois de saber ler, é como aprender sozinho a nadar ou andar de bicicleta. É um aprendizado espontâneo, solitário e independente, onde cada um, bem ou mal, forja o seu próprio estilo.

Luciano Machado

COMO SER FELIZ SEM SER IRRESPONSÁVEL

Uma das coisas mais difíceis neste mundo é ser feliz. E isto porque o lugar onde habitamos não é um paraíso.

José Hernández, poeta argentino, em 1870 já dizia, num de seus versos, em seu livro ‘Martin Fierro’: “Si este mundo es um infierno / Pa que afligirse el paisano?”.

Outra figura que nos deixou algo a esse respeito foi o escritor argentino Jorge Luis Borges, ao afirmar, no fim da vida, que a sua maior culpa foi a de não ter conseguido ser feliz. E consoante a isto escreveu mais ou menos o seguinte:

“Se eu pudesse voltar a viver, eu seria mais ousado, mais inconseqüente, menos responsável; correria mais riscos; enfrentaria mais perigos; cometeria mais erros; andaria mais de pés descalços; cuidaria menos da minha saúde, etc., etc.” (Para conhecer o texto completo, leia “Carta-Testamento” de Jorge Luis Borges).

Pareceria que José Hernández e Jorge Luis Borges, com tais escritos, nos induzem a um certo abandono ou irresponsabilidade perante a vida.

Porque é muito difícil viver indiferente às regras comportamentais e ao que acontece no mundo, ao nosso redor.

Alguns, no desespero, em busca de uma felicidade passageira a qualquer custo, simplesmente recorrem à transgressão da lei e das normas sociais, ao jogo de azar, ao furto, ao anestésico do álcool, ao estímulo do cigarro, ao vício das drogas, e acabam, ao contrário do que buscavam, trazendo para si a infelicidade e o inferno existencial.

Ser feliz não é isso, nem através disso.

Ser feliz não é não ter problemas nem ‘levar vantagem em tudo’; não é querer ser mais esperto ou melhor do que os outros, passando alguém pra trás nos negócios, ou na fila, para lucrar com isso ou ser atendido em primeiro lugar.

Ser feliz também não é ter saúde, alguns privilégios e uma boa situação econômica.

Ser feliz é um permanente estado de alma.

E lamentavelmente, por falta de uma orientação espiritual, as pessoas precisam sofrer ou levar um susto, para aprender.

O que nos resta então fazer para ser felizes?

Para ser feliz, a não ser através da dor e do sofrimento, só existe um caminho:

Recolher-se em si mesmo, agradecer a Deus o que tem, e formular esta pergunta: “O que é necessário, Senhor, para que eu seja uma pessoa feliz?”

Se fizermos isto, a resposta vai aflorar e nos indicar o verdadeiro caminho da felicidade, que não nos torna ignorantes, nem escravos do vício, nem acomodados, nem arrogantes, nem egoístas, nem insensíveis, nem indiferentes, nem irresponsáveis.
Luciano Machado