Você conhece esta história?
Pois eu lhe digo que não encontra paralelo na história dos reis britânicos, nem na de outros soberanos de que os livros nos falam. Tamanho é o fascínio que nos desperta a lendária figura do Rei Arthur.
Tudo começa quando o rei Uther, às vésperas da morte, convoca a esposa, um sábio, um nobre e um arcebispo e lhes transmite a sua derradeira vontade, a de que seu filho Arthur deve suceder-lhe no trono.
Na época, porém, há cavaleiros, nobres e príncipes, que se acham com igual direito, mesmo porque ignoram que Uther tenha um filho. Arthur, quando bebê, fora entregue aos cuidados de um nobre, sir Heitor, que o criara e educara como se seu filho fosse. Por essa razão Uther, agora, decide combinar com os que o assistem no último instante uma forma de colocar Arthur no trono, de modo a não melindrar os demais. Para isso conta com a colaboração do sábio e inseparável conselheiro Merlin, a quem se atribuem poderes mágicos.
Passa-se o tempo e o trono continua sob o comando da rainha. A desordem reina e os ânimos continuam cada vez mais exaltados. Um dia o arcebispo de Cantuária, a pedido de Merlin, convoca todos os nobres para uma reunião no templo. É Natal. Nessa reunião , Merlin e o Arcebispo exortam a todos os cavaleiros a que tenham fé e confiança na vontade divina; que o Senhor manifestará a forma pela qual o novo soberano será escolhido.
Quando deixam o templo, todos deparam com um fato impressionante: No centro de uma clareira surgira uma enorme pedra, em que se acha, enfiada, uma grande espada de ouro e que contém em ambos os lados a seguinte inscrição: “Aquele que arrancar esta espada, pelo berço e pelo direito, reinará sobre a Inglaterra.”
Recobrados da surpresa, vários são os que tentam, inutilmente, desencravá-la da pedra.
Passam-se os anos e a espada continua cravada na pedra.
Um dia, Arthur, que já se fizera mocinho, acompanhado de Merlin, chega ao local. Merlin o conduzira até ali propositadamente. Arthur põe-se a observar a pedra e a espada, e daí alguns instantes, a pedido de Merlin, segura o cabo da espada ... e, sem nenhum esforço, a retira da pedra.
Seu gesto provoca a inveja e a indignação dos que ali se encontram. Um dos presentes, Modred, o acusa de feitiçaria.
Arthur, educadamente, procura demover o acusador de tais pensamentos, explicando-lhe que desconhece essas práticas. Modred, sem dar-lhe ouvidos, incita os demais cavaleiros contra Arthur.
A partir daí, geram-se revoltas e inicia-se uma luta que durará vários anos, entre Arthur e os que lhe são fiéis e os cavaleiros que não o reconhecem como rei, chefiados por Modred.
Da França chega um cavaleiro chamado Lancelot do Lago e se põe ao lado de Arthur para dar combate aos revoltosos. Nessa época há muitas iniqüidades, os pobres camponeses e aldeões são maltratados e assassinados, suas casas destruídas e as incursões criminosas se tornam constantes ...
Arthur, cujo espírito de bondade e justiça era inato, empreende uma grande batalha contra os iníqüos adversários que exploram e maltratam o seu povo. E para isso cria uma ordem de cavaleiros, a da Távola Redonda.
Após renhidos combates, Modred, sentindo-se impotente contra a admirável força e bravura demonstrados por Arthur e seus cavaleiros, decide render-se e pedir perdão, suplicando a Arthur que o receba a seu serviço, bem como aos demais. Arthur os recebe.
Perverso, porém, por natureza, Modred nada mais faz do que iniciar um plano diabólico que visa indispor Arthur com Lancelot, o mais fiel de seus cavaleiros. Para isso, aproveita-se dos sentimentos que ligam Lancelot à rainha, preparando as coisas para que o rei os surpreenda , a sós, em inocente diálogo. E quando isto acontece, Arthur, que já se pusera desconfiado, devido às insinuações de Modred, rompe relações com Lancelot e ordena que a esposa seja levada prisioneira para um convento.
Com o afastamento de Lancelot, Modred encontra uma área livre de obstáculos para agir.Uma de suas primeiras providências é livrar-se de Merlin.Envenena-o.
Arthur, Lancelot e seus cavaleiros partem em perseguição de Modred e sua gente, aos que conseguem vencer , após longos combates, que culminam com a morte de Modred.
Para concluir, Arthur, já gravemente ferido, pede a Lancelot que volte para junto de Guinevere, a rainha, e lhe transmita o seu perdão.
Lancelote retorna, cumprindo o desejo de Arthur, que expira no campo de batalha.
Agora, na ampla sala dos cavaleiros da Távola Redonda, Lancelot está ajoelhado ao lado de Perceval e lhe diz: “Sou o culpado por tudo o que aconteceu, porque, com minha amizade, induzi a Arthur ao combate e à morte. Não sou digno, pois, de permanecer nesta sala.”
Nesse instante, a sala se ilumina e uma melodia belíssima irrompe do silêncio ...
-- Ouves a música e vês a luz?, inquire Perceval.
Lancelot, triste, nada ouve e nada vê.
“Perceval, meu cavaleiro e amigo, esta visão só é digna dos puros de coração, para que a fé em Deus não desapareça completamente e se renove de tempos em tempos sobre a terra ... Tranqüiliza ao nosso bom Lancelot e dize-lhe que seu filho Gallahad será um cavaleiro muito ilustre. Dize-lhe também que os seus erros estão perdoados e que o seu coração entrará no reino da paz ... Glória a Deus, cuja centelha palpita eternamente em todos os seres da Criação!”
Perceval coloca sua mão direita sobre o ombro de Lancelot e a luz começa a se desvanecer lentamente ... Daí alguns instantes, antes que a luz desapareça completamente, novo raio luminoso lhes banha os semblantes, que se mantém agora, voltados para o alto.
Esta é, em síntese, a história do Rei Arthur de Pendragão, filho de Uther e Igraine, um soberano que, por amor à justiça, combateu durante toda a sua existência em defesa de seu povo, contra as iniqüidades do seu tempo e pela unificação de um grande reino – o da Grã-Bretanha.
Sua história é uma lenda e uma alegoria, como a de Fausto, apresentada por vários autores e versões cinematográficas, mas uma das mais belas que conheci, principalmente pelo simbolismo, na versão original e clássica de Chrétien de Troyes ou na romanesca de Sir Thomas Malory, que serviram de base a esta crônica e aos seriados da minha infância, na década de 50, no Cine Colombo, em Santana do Livramento.