A INVEJA E A RODA DA FORTUNA
Um dos
sentimentos mais lamentáveis é o da inveja.
Além de ser de vários modos prejudicial a quem o alimenta, também é desfavorável para alcançar qualquer
objetivo na vida, pois a inveja, ou o desejo de ser outra pessoa ou de possuir
o que não é seu, afugenta a dignidade, a sorte e a possibilidade de alguém ser
ele mesmo durante a maior parte do tempo e obter alguma coisa por seus próprios
meios ou merecimentos. E a coisa mais
extraordinária e maravilhosa que existe no mundo é o fato de sermos, como
indivíduos, únicos e diferentes de todos os demais.
Cada um é, dentro de suas possibilidades físicas,
morais e intelectuais, responsável pelo que é, tem, pensa, diz ou
faz, e algum dia, aqui ou em outro lugar, responderá por isso e receberá a sua recompensa.
Já foi dito
que a quem muito é dado, muito será exigido. E as
pessoas deviam se sentir felizes e
satisfeitas com o pouco que têm,
lembrando que quanto mais alto é o vôo,
maior é o tombo, e a queda poderá ser
fatal.
Vejam o
exemplo de humildade, bom senso e
austeridade desse velho guerreiro que é José Mujica, presidente do Uruguai. Segundo consta, ele tem de si apenas a sua chácara, a sua casa, um fusca e uma
lambreta, o seu salário de aposentado e o de sua mulher. Ele optou por não ter filhos para não serem
perseguidos por sua causa. E a não ser a
preocupação com o governo do país que
ele administra, o que não é pouco, vive
feliz da vida.
Assim como a
inveja, temos que combater em nós mesmos outros sentimentos, como a vaidade, o
exibicionismo e a arrogância. Ninguém se
jacte ou se burle dos outros por estar numa situação privilegiada; as circunstâncias mudam e aqueles que estão em cima serão rebaixados e os que estão em baixo serão erguidos ou
enaltecidos.
Ninguém é dono
absoluto de nada neste mundo, nem do seu próprio corpo, que lhe é cedido por
empréstimo. O patrimônio ou a fortuna
são bens temporários, perecíveis, confiados
a alguém para serem administrados.
Se estes bens forem
bem administrados, serão multiplicados.
Se forem mal administrados, serão retirados.
O que chamamos
de ‘sorte’ ou ‘azar’ tem um significado
relativo, e só vamos saber se alguma
coisa foi realmente uma sorte ou azar
no fim das contas.
Muitas vezes o
fato de estar sem dinheiro nos salva de situações
desagradáveis, nos livra de aborrecimentos, nos impede de fazer um mau negócio
ou de comprar e consumir coisas que nos
fazem mal à saúde.
Isso já aconteceu com muita gente, inclusive comigo e com você.
De modo que
não devemos julgar os fatos ou acontecimentos como bons ou maus, mas apenas
aceitar e agradecer, pois tudo na vida tem suas compensações e, mesmo se nada for feito, tende a reencontrar o
seu ponto de equilíbrio. Por isso é que
se diz que ‘com o andar da carroça as melancias se acomodam’.
Há cinqüenta
anos ou mais, aconteceu uma grande enchente
numa determinada região do nosso país, e
as vítimas, que haviam perdido suas casas e seus bens, se espalharam com suas mochilas por vários
estados e municípios. Algumas dessas famílias
vieram parar em nossa fronteira e aqui ficaram por um longo tempo acantonadas como moradores de rua, até que o governo da
época, creio que foi o presidente Juscelino,
lhes deu alojamento provisório em barracas, nos estádios
ou quartéis, e em seguida mandou
construir casas de alvenaria padronizadas com todo o saneamento e a infra-estrutura.
Um dia, lá
pela década de 80, conheci um cidadão que viajava de Porto Alegre para Livramento no mesmo ônibus da Ouro e
Prata e durante a viagem me contou a sua história. Ele era
membro de uma daquelas famílias que tinham perdido tudo e recebido uma casa do governo. Esse cidadão, agora com cinqüenta e poucos
anos, era um próspero fazendeiro no Paraná e vinha visitar seus familiares que ainda residiam por aqui.
Seu pai, com mais de oitenta anos, estava com saúde, aposentado do serviço público, e toda a sua
família desfrutava agora de uma situação
econômica privilegiada e bastante confortável.
Muitas vítimas
ou remanescentes de guerras, massacres, catástrofes e calamidades, em várias
épocas e regiões do planeta, da mesma
forma, recomeçaram suas vidas e readquiriram a alegria e a felicidade
de viver.
Por outro
lado, famílias inteiras, em questão de minutos, têm perdido suas vidas em acidentes terrestres, aéreos ,
naufrágios ou maremotos.
A imensa e invisível roda da fortuna está sempre girando. E todos nos situamos em algum ponto de sua
circunferência. Portanto não devemos alimentar sentimentos indignos ou adversos, como
de derrota, desespero, frustração, vaidade, arrogância, superioridade,
inferioridade, competitividade, usurpação, odiosidade, rancor, orgulho, inveja e cobiça.
Cada um faça a sua parte, do modo
mais correto e honestamente possível, e o que lhe está reservado virá a seu tempo.
Luciano
Machado
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