Benito
Orlando Cademartori
Em dezembro
de 1963 comecei a trabalhar no grupo empresarial Cademartori, inicialmente na
portaria, como ajudante do saudoso amigo Edgard Prates Paulo, que era o zelador
do prédio e encarregado de serviços gerais.
Depois fui chamado para trabalhar nos
escritórios da empresa, que ficavam no andar de cima, como auxiliar direto do
Benito, que era um dos procuradores e o mais jovem irmão do diretor-geral Sr. Sylvio Cademartori.
Como
auxiliar do Benito, fui aprendendo a lidar com os papéis e a documentação do
setor de exportação de madeiras, familiarizando-me com o serviço bancário e os contatos com os escritórios dos
despachantes aduaneiros da época, entre os quais, no Brasil, Jaime Schiller e
Ruy Lopes dos Anjos; e no Uruguai, os
despachantes Frós, Angel Andrés e Luchesi.
O ambiente de trabalho era dos mais fraternos
e fora dele também. Juntamente com o
Benito, o meu compadre Adão Dorival Costa Silveira, o poeta Joaquim de Abreu
Fialho, o Sr. Mário Simões Pires, que era o nosso chefe de escritório, e às
vezes o nosso colega e amigo Omar Lapuente, procurador e gerente dos estoques
de madeira, assistimos a muitas sessões de cinema, quando ainda tínhamos o
privilégio de ver, aqui na fronteira, filmes franceses, ingleses e italianos.
Também frequentávamos,
nessa época, o Restaurante Sabo e a churrascaria El Rancho em Rivera, e nos
finais de semana com seu Packard lotado de gente, nos tocávamos para o
Aeroclube, de cuja diretoria ele fazia parte.
Andar de
avião com o Benito era uma aventura das mais arriscadas e emocionantes. Cada final de semana ele convidava um colega
para dar um passeio de avião e perder o medo de voar.
Quando
chegou a minha vez, lembro que decolamos do aeroclube e logo em seguida
sobrevoávamos o Parque Grã-Bretanha, no lado uruguaio da fronteira.
Era um
domingo de tarde e o autódromo estava lotado.
Depois de sobrevoarmos o parque e a represa de Rivera, o Benito inventou
de dar uns rasantes sobre a pista de corrida, o que assustou e irritou
enormemente o pessoal que ali se encontrava.
Outra
proeza do Benito era ir de avião até a fazenda do seu irmão, Don Sylvio, e
chegando lá, depois de se elevar a algumas centenas de metros, largar o avião
de bico, em parafuso, deixando o pessoal indignado com essa brincadeira.
Outra grande
figura, que Deus o tenha, era o seu irmão Menotti. Uma vez o Menotti telefonou de Uruguaiana, aí
pelas 4 horas da tarde, dizendo que tinha sofrido um acidente. Preocupado, Don Sylvio pediu para o Benito
pegar um avião no aeroclube e voar urgentemente para Uruguaiana a fim de atender
ao Menotti.
Lá
chegando, o Benito deixou o avião no aeroclube, pediu um táxi e se dirigiu ao
endereço onde o Menotti havia dito que se encontrava, na rua tal número
tal. Mas qual não foi a sua surpresa
quando encontrou o Menotti num hotel, em perfeito estado de saúde, dizendo que
sofrera um ligeiro mal estar porém já havia se recuperado e estava muito bem.
Com o seu
automóvel Packard, o Benito proporcionava um espetáculo que sempre se repetia
em dias de chuva. Ele fazia um cavalo de
pau antes de entrar no portão principal, ou seja, em vez de dobrar à direita,
freava abruptamente fazendo com que o seu carrão resvalasse nos paralelepípedos
molhados da rua e ficasse com a frente voltada para o portão de entrada da garagem da
firma.
Mais tarde o
Benito trocaria o seu Packard por um Aero Willys azul, que o acompanhou por
muitos anos, mesmo depois que foi gerenciar o escritório da empresa em Porto Alegre.
O Benito
dava um boi por uma briga. Sempre foi
assim. E para não perder o costume, depois
que foi para Porto Alegre, quando um
ônibus lhe cortava a frente na Av. Farrapos, ele acelerava o seu Aero Willys, interceptava o ônibus lá adiante, parava no
meio da rua e descia do carro para tirar satisfação do motorista. O motorista apavorado, imaginando quem podia
ser aquele homem que parava o seu automóvel no meio da faixa e interrompia o
trânsito para lhe tirar satisfações, pedia desculpas e ia embora.
Depois que
prestei o serviço militar, retornei à empresa e também fui transferido para a
filial de Porto Alegre, para trabalhar com o Benito.
Nessa
época, além do Gerson e da Denise, o Benito também já era pai dos gêmeos Jaime
e Juarez.
A nossa
rotina laboral em Porto
Alegre era a seguinte: de manhã ficávamos os dois no
escritório e na parte da tarde eu ficava sozinho, enquanto o Benito ia para o Centro
atender o serviço bancário. Depois dos
bancos ele costumava chegar no escritório do despachante Antonio Delapieve,
onde se demorava até às sete ou oito horas da noite, retornando ao escritório
aí pelos 20:30. Então preparávamos a
correspondência para Livramento, que ele me ditava e eu datilografava. Essa correspondência, às vezes demorada,
devia ficar pronta até às dez horas da noite, hora em que saía o ônibus da
rodoviária para Livramento. Mas às vezes
passava da hora e tínhamos que sair de carro, em alta velocidade, atrás do
ônibus da empresa Ouro e Prata, que geralmente interceptávamos depois da ponte
do Guaíba, para entregar o pacote com a correspondência para Livramento
diretamente ao motorista.
Consegui
trabalhar com o Benito em
Porto Alegre durante um ano , atendendo ao serviço
geral do escritório e redigindo a correspondência diária, ditada por ele, que
eu datilografava e devia estar pronta até às 22 horas, de modo que
permanecíamos envolvidos com o trabalho do escritório de doze a catorze horas
por dia.
Em 1969, em
função dessa carga horária e do volume de serviço, nos desentendemos e eu retornei para Livramento.
Continuei
trabalhando na firma até 1979, quando então fiz
concurso e ingressei no Banco do Brasil.
Nessa oportunidade,
Dona Flora Cademartori Mendina, Dona Zulma Peres Cademartori, viúva de Antonio
Augusto Cademartori, e seus filhos Sylvio Cademartori Neto, João Francisco e Paulo de Tarso
Peres Cademartori, de comum acordo, houverem
por bem fazer comigo uma rescisão de
contrato de trabalho com indenização por parte da empresa, pagando-me todos os direitos trabalhistas. Não
podia deixar de registrar meu reconhecimento, abrindo um parêntese nesta
crônica, a esse gesto de nobreza da família Cademartori.
Em 1981 o
Benito veio a Livramento e foi me visitar na agência local do BB.
Depois não
nos vimos mais, até que ele veio a falecer, em Porto Alegre , em
1986.
O Benito,
hoje representado por seus familiares, D. Telma e filhos, com os quais
compartilho a minha saudade, foi sem dúvida um grande chefe, mestre e amigo.
Luciano
Machado
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