sábado, 29 de junho de 2013

PARIS, 1794


            Estamos na França em fins do século XVIII.  É o chamado “Reinado do Terror”.  Com a tomada da prisão de Bastilha pelo povo, chefiado pelo advogado Camilo Desmoulins, afirma-se a Revolução Francesa.  O rei e a rainha são executados.  Três indivíduos exercem o poder transitório: Marat, Danton e Robespierre; são membros do Comitê de Salvação Pública  que acabam inimigos entre si e inimigos do povo.  O primeiro é assassinado por uma mulher, Carlota Corday; o segundo é executado por ordem do terceiro, e este último, finalmente, conduzido ao cadafalso por onde já haviam passado eminentes figuras da França.

      Entre essas figuras eminentes encontra-se um famoso cientista, realizador de importantes pesquisas e descobertas na área da Química e da Física.  Entre outras realizações, formulara a Lei da Conservação da Matéria, descobrira a composição do ar, as propriedades do hidrogênio, criara a nomenclatura química  e fizera os primeiros testes de calorimetria.  Chamava-se: Antoine Laurent de Lavoisier e nascera em Paris em 1743.

        Naquele dia fatídico, ao tomar conhecimento da sentença que lhe é movida pelo comitê revolucionário, solicita algum tempo para concluir sua última descoberta científica.  Mas a resposta é: “A República não precisa de cientistas!”

      Levam-no.  A multidão rodeia o local.  Durante os breves instantes que lhe restam, encara alguns rostos aflitos e amigos.  Alguém lhe acena.  E estando com as mãos amarradas, responde da única maneira que lhe é permitida,  com um sorriso.  Depois volta o rosto e contempla o terrível, inexorável e mortífero artefato que se ergue diante de si e que, por ironia, deriva do nome de um colega seu, o médico José Ignácio Guillotin, membro da Constituinte francesa e que, num gesto piedoso, solicitara ao Parlamento que o adotasse em substituição a meios mais dolorosos de execução dos condenados à pena capital.  O novo sistema é rápido, prático e infalível.  Possui a vantagem de não discriminar aos que a ele se submetem, sejam nobres, plebeus, ladrões, intelectuais, rei ou rainha.  De fato, sob seu cutelo, já haviam perdido suas cabeças Luis XVI e Maria Antonieta.

           O crime de Lavoisier, assim como o de outras figuras da área científica, é o de ter aceitado uma mesada permanente, paga pelo Estado, para custear seus estudos e experiências.  Não era nenhum corrupto ou parasita, nem a recebia como suborno para defender os interesses de uma minoria privilegiada e opressora, mas como recurso digno destinado a manter o seu trabalho científico, um trabalho honesto e importante, cujos resultados de alguma forma beneficiam hoje a humanidade inteira.

            O carrasco pede-lhe respeitosamente que coloque a cabeça no encaixe de madeira e que feche, se quiser, os olhos.  Com a serenidade de um verdadeiro sábio, Lavoisier ajoelha-se, põe a cabeça no lugar indicado, cerra as pálpebras com firmeza e prende a respiração.  E se é possível pensar durante aquela fração de segundos que lhe antecede a morte física, certamente agradece à Providência pela oportunidade que lhe concedera de realizar alguma coisa em benefício do seu semelhante.  A lâmina cai e lhe decepa a consciência.  É uma das últimas vítimas do terror, em seu país, em 1794.   


          Luciano Machado ´

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