PARIS, 1794
Estamos
na França em fins do século XVIII. É o
chamado “Reinado do Terror”. Com a
tomada da prisão de Bastilha pelo povo, chefiado pelo advogado Camilo
Desmoulins, afirma-se a Revolução Francesa.
O rei e a rainha são executados.
Três indivíduos exercem o poder transitório: Marat, Danton e
Robespierre; são membros do Comitê de
Salvação Pública que acabam inimigos entre si e inimigos do
povo. O primeiro é assassinado por uma
mulher, Carlota Corday; o segundo é executado por ordem do terceiro, e este
último, finalmente, conduzido ao cadafalso por onde já haviam passado eminentes
figuras da França.
Entre essas figuras eminentes
encontra-se um famoso cientista, realizador de importantes pesquisas e
descobertas na área da Química e da Física. Entre outras realizações, formulara a Lei da
Conservação da Matéria, descobrira a composição do ar, as propriedades do
hidrogênio, criara a nomenclatura química
e fizera os primeiros testes de calorimetria. Chamava-se: Antoine Laurent de Lavoisier e nascera em Paris em 1743.
Naquele dia fatídico, ao tomar
conhecimento da sentença que lhe é movida pelo comitê revolucionário, solicita
algum tempo para concluir sua última descoberta científica. Mas a resposta é: “A República não precisa de
cientistas!”
Levam-no. A multidão rodeia o local. Durante os breves instantes que lhe restam,
encara alguns rostos aflitos e amigos.
Alguém lhe acena. E estando com
as mãos amarradas, responde da única maneira que lhe é permitida, com um sorriso. Depois volta o rosto e contempla o terrível,
inexorável e mortífero artefato que se ergue diante de si e que, por ironia,
deriva do nome de um colega seu, o médico José Ignácio Guillotin, membro da
Constituinte francesa e que, num gesto piedoso, solicitara ao Parlamento que o
adotasse em substituição a meios mais dolorosos de execução dos condenados à
pena capital. O novo sistema é rápido,
prático e infalível. Possui a vantagem
de não discriminar aos que a ele se submetem, sejam nobres, plebeus, ladrões,
intelectuais, rei ou rainha. De fato,
sob seu cutelo, já haviam perdido suas cabeças Luis XVI e Maria Antonieta.
O crime de Lavoisier, assim como o
de outras figuras da área científica, é o de ter aceitado uma mesada
permanente, paga pelo Estado, para custear seus estudos e experiências. Não era nenhum corrupto ou parasita, nem a
recebia como suborno para defender os interesses de uma minoria privilegiada e
opressora, mas como recurso digno destinado a manter o seu trabalho científico,
um trabalho honesto e importante, cujos resultados de alguma forma beneficiam hoje
a humanidade inteira.
O carrasco pede-lhe respeitosamente que
coloque a cabeça no encaixe de madeira e que feche, se quiser, os olhos. Com a serenidade de um verdadeiro sábio,
Lavoisier ajoelha-se, põe a cabeça no lugar indicado, cerra as pálpebras com
firmeza e prende a respiração. E se é
possível pensar durante aquela fração de segundos que lhe antecede a morte
física, certamente agradece à Providência pela oportunidade que lhe concedera
de realizar alguma coisa em benefício do seu semelhante. A lâmina cai e lhe decepa a consciência. É uma das últimas vítimas do terror, em seu
país, em 1794.
Luciano Machado ´
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