sábado, 5 de julho de 2014

OLAVO SALDANHA FILHO


Parece constituir uma  regra invariável o fato de os filhos desta terra, embora tenham triunfado em outros lugares, ao retornarem, com suas ideias e projetos, não os conseguirem colocar em prática por aqui.

Ibañez Filho, cineasta santanense, em 1979 tentou desenvolver aqui um curso de arte dramática.  Após manter alguns contatos, tudo parecia encaminhar-se conforme seus objetivos.  Seus planos, entretanto, não deram certo, e acabou voltando para o Rio de Janeiro de onde, segundo ele, jamais deveria ter saído.

Outro santanense idealista foi Olavo Saldanha Filho.

Conheci o Olavo na década de 70, no Bar Ponto Chic, quando ele era professor de filosofia na antiga ASPES – Associação Santanense Pró-Ensino Superior.

Intelectual de pensamentos e idéias muito claras, muito próprias e idealisticamente avançadas para se concretizarem num ambiente de hábitos culturais tão inadequados ao que pretendia, Olavo nos relatou a sua trajetória, desde que saiu de Livramento, suas viagens, estudos e experiências pelo mundo afora, até as primeiras incursões pelo teatro, onde se distinguiria com várias premiações como diretor e ator.

Mas Olavo nunca comentou conosco estes detalhes de premiação, nem o fato de o seu nome constar como verbete numa das maiores enciclopédias internacionais.  Isso eu soube depois, por intermédio do nosso amigo em comum Sr. Adyr Moreira Simões.

Olavo, até por respeito à inteligência alheia, era avesso a falar de seus próprios méritos.  Impunha-se pela grandeza do seu caráter, por seu gênio e talento, demonstrados em suas atuações no palco ou fora dele.

E, no entanto, parecia com o seu entusiasmo estar apenas no início de uma jornada.

Tinha sonhos e projetos para desenvolver e precisava de apoio de seus conterrâneos.

Esse apoio obteve junto ao empresário Sr. Guilherme Brisolla, homem culto e esclarecido, que num gesto de sensibilidade, bom senso e simpatia pela arte, lhe cedeu as dependências de um prédio central de sua propriedade, a fim de que montasse a sua companhia de teatro, pudesse treinar seus atores, ensaiar e encenar suas peças.

Mas infelizmente, nessa época, Olavo já estava enfermo.

Ainda assim, numa cadeira de rodas, dirigia seus espetáculos, que não foram muitos, mas expressaram a marca de sua genialidade na encenação de várias peças clássicas.

A doença enfim o obrigou a retirar-se do campo de batalha.  Entregou sua bandeira para o J. N. Canabarro, seu amigo e mais fiel discípulo, e se confinou ao leito.

Um dia fui visitar o Olavo ali na Rua Silveira Martins.  A sua governanta e enfermeira não tinha ainda se retirado e me fez passar.  Quando me viu, ele falou:

-- Ora, mas que agradável supresa ...  Tu não imaginas a alegria que sinto em te ver !  São poucos os amigos que me visitam e tenho passado meus dias e noites enclausurado neste quarto.  A minha secretária, quando sai fecha a porta a chave, joga a chave por baixo e eu fico sozinho.  Mas ela é uma bela criatura e me deixa os alimentos preparados.  Como tu vês, quase não posso me mover, pois este reumatismo me impede até de segurar uma xícara de café.  Por isso peço a gentileza que tu mesmo te sirvas.

Era um sábado de tarde e eu fiquei conversando com o Olavo até a meia-noite.  Nessa ocasião ele me falou um pouco de sua vida pessoal e artística, de suas viagens e permanências do exterior.  E de fatos pitorescos que lhe aconteceram, como foi o seu encontro e amizade com o ator Omar Sharif em Nova Iorque quando, por acidente, virou-lhe sobre o terno branco uma taça de vinho.  E também da grande saudade que sentia de sua esposa e de sua filha que estavam no Rio de Janeiro.

Perguntei-lhe se dormia bem.

-- Não, meu amigo, não durmo.  Passo as noites em claro, lendo e ouvindo música.  Só vou dormir um pouco na parte da manhã.  Não durmo de noite há mais de 30 anos ... O teatro me inculcou esse hábito.

-- E o teu grupo de atores continua trabalhando?

-- Sim. Está nas mãos do nosso amigo Canabarro.  Agora em junho vou embora para Porto Alegre.  Tenho lá um grupo de amigos que me convidaram para dar uma assessoria no seu trabalho.  Não tenho outra saída.  Se ficar aqui estou liquidado.  Vou aproveitar o que me resta de inteiro que é o meu cérebro, tentar fazer algum tratamento de fisioterapia e ajudar outras pessoas a produzirem alguma coisa.  Aqui já cumpri a minha missão.  Mas vou te deixar o meu endereço e telefone, pois eu não sei se volto ...

Essa foi a última vez que conversei com o Olavo Saldanha.

Ele formou aqui muitos atores e conseguiu provar que em Livramento é possível realizar alguma coisa com o apoio das pessoas certas.

E se algum dia voltarmos a ter um teatro municipal, que o nome do nosso ilustre conterrâneo seja lembrado, denominando-se, com justiça TEATRO OLAVO SALDANHA FILHO.

Luciano Machado





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