OLAVO SALDANHA FILHO
Parece
constituir uma regra invariável o fato
de os filhos desta terra, embora tenham triunfado em outros lugares, ao
retornarem, com suas ideias e projetos, não os conseguirem colocar em prática
por aqui.
Ibañez
Filho, cineasta santanense, em 1979 tentou desenvolver aqui um curso de arte
dramática. Após manter alguns contatos,
tudo parecia encaminhar-se conforme seus objetivos. Seus planos, entretanto, não deram certo, e
acabou voltando para o Rio de Janeiro de onde, segundo ele, jamais deveria ter
saído.
Outro
santanense idealista foi Olavo Saldanha Filho.
Conheci o
Olavo na década de 70, no Bar Ponto Chic, quando ele era professor de filosofia
na antiga ASPES – Associação Santanense Pró-Ensino Superior.
Intelectual
de pensamentos e idéias muito claras, muito próprias e idealisticamente
avançadas para se concretizarem num ambiente de hábitos culturais tão
inadequados ao que pretendia, Olavo nos relatou a sua trajetória, desde que saiu
de Livramento, suas viagens, estudos e experiências pelo mundo afora, até as
primeiras incursões pelo teatro, onde se distinguiria com várias premiações
como diretor e ator.
Mas Olavo
nunca comentou conosco estes detalhes de premiação, nem o fato de o seu nome
constar como verbete numa das maiores enciclopédias internacionais. Isso eu soube depois, por intermédio do nosso
amigo em comum Sr. Adyr
Moreira Simões.
Olavo, até
por respeito à inteligência alheia, era avesso a falar de seus próprios
méritos. Impunha-se pela grandeza do seu
caráter, por seu gênio e talento, demonstrados em suas atuações no palco ou
fora dele.
E, no
entanto, parecia com o seu entusiasmo estar apenas no início de uma jornada.
Tinha
sonhos e projetos para desenvolver e precisava de apoio de seus conterrâneos.
Esse apoio
obteve junto ao empresário Sr. Guilherme Brisolla, homem culto e esclarecido,
que num gesto de sensibilidade, bom senso e simpatia pela arte, lhe cedeu as
dependências de um prédio central de sua propriedade, a fim de que montasse a
sua companhia de teatro, pudesse treinar seus atores, ensaiar e encenar suas
peças.
Mas
infelizmente, nessa época, Olavo já estava enfermo.
Ainda
assim, numa cadeira de rodas, dirigia seus espetáculos, que não foram muitos,
mas expressaram a marca de sua genialidade na encenação de várias peças
clássicas.
A doença
enfim o obrigou a retirar-se do campo de batalha. Entregou sua bandeira para o J. N. Canabarro,
seu amigo e mais fiel discípulo, e se confinou ao leito.
Um dia fui
visitar o Olavo ali na Rua Silveira Martins.
A sua governanta e enfermeira não tinha ainda se retirado e me fez
passar. Quando me viu, ele falou:
-- Ora, mas
que agradável supresa ... Tu não
imaginas a alegria que sinto em te ver !
São poucos os amigos que me visitam e tenho passado meus dias e noites
enclausurado neste quarto. A minha
secretária, quando sai fecha a porta a chave, joga a chave por baixo e eu fico
sozinho. Mas ela é uma bela criatura e
me deixa os alimentos preparados. Como
tu vês, quase não posso me mover, pois este reumatismo me impede até de segurar
uma xícara de café. Por isso peço a
gentileza que tu mesmo te sirvas.
Era um
sábado de tarde e eu fiquei conversando com o Olavo até a meia-noite. Nessa ocasião ele me falou um pouco de sua
vida pessoal e artística, de suas viagens e permanências do exterior. E de fatos pitorescos que lhe aconteceram,
como foi o seu encontro e amizade com o ator Omar Sharif em Nova Iorque quando,
por acidente, virou-lhe sobre o terno branco uma taça de vinho. E também da grande saudade que sentia de sua
esposa e de sua filha que estavam no Rio de Janeiro.
Perguntei-lhe
se dormia bem.
-- Não, meu
amigo, não durmo. Passo as noites em
claro, lendo e ouvindo música. Só vou
dormir um pouco na parte da manhã. Não
durmo de noite há mais de 30 anos ... O teatro me inculcou esse hábito.
-- E o teu
grupo de atores continua trabalhando?
-- Sim. Está
nas mãos do nosso amigo Canabarro. Agora
em junho vou embora para Porto Alegre.
Tenho lá um grupo de amigos que me convidaram para dar uma assessoria no
seu trabalho. Não tenho outra
saída. Se ficar aqui estou
liquidado. Vou aproveitar o que me resta
de inteiro que é o meu cérebro, tentar fazer algum tratamento de fisioterapia e
ajudar outras pessoas a produzirem alguma coisa. Aqui já cumpri a minha missão. Mas vou te deixar o meu endereço e telefone,
pois eu não sei se volto ...
Essa foi a
última vez que conversei com o Olavo Saldanha.
Ele formou
aqui muitos atores e conseguiu provar que em Livramento é possível realizar
alguma coisa com o apoio das pessoas certas.
E se algum
dia voltarmos a ter um teatro municipal, que o nome do nosso ilustre
conterrâneo seja lembrado, denominando-se, com justiça TEATRO OLAVO SALDANHA
FILHO.
Luciano
Machado
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