quarta-feira, 18 de junho de 2014


A QUIXOTESCA FIGURA DO ADVOGADO MARIO CUNHA

Nas décadas de 40 e 50 viveu por estes pagos o famoso e quixotesco causídico Mário Cunha, membro de tradicional família santanense.

Mário Cunha, com seus dois metros de altura e o seu corpanzil, era um paladino da justiça, mas tinha a sua maneira toda própria de ser e de atuar na vida pública.

Conta-se que certa vez chegou de manhã num dos cartórios do antigo Fórum em frente à Praça General Osório, retirou a sua capa e o seu sombrero, colocou-os num cabide, e da cintura retirou o seu revólver 38, e o colocou ostensivamente sobre a mesa, junto à qual um atento escriturário estava datilografando o que lhe ditava o chefe do cartório, numa antiga máquina de escrever da marca Remington. Mário Cunha, sem dar nenhuma satisfação ao titular do cartório nem ao seu escrevente, arrancou da máquina o papel que estava sendo datilografado e alcançou ao escriturário uma nota de duzentos reis dizendo:

-- Vai ali no Ponto Chic e me compra um charuto! O rapaz levantou-se, agarrou a nota e saiu, enquanto Mário Cunha se aboletava na cadeira, enfiava outro papel na máquina e iniciava a redação de um texto seu.

Mário Cunha era proprietário de um jornal chamado A CIDADE, o seu principal adversário de contendas políticas era o nosso historiador Ivo Caggiani. Seus ‘duelos’ pela imprensa eram frequentes. De um lado o jovem jornalista Ivo Caggiani, em início de carreira, e de outro, o veterano advogado e também jornalista Mário Cunha. O próprio historiador, numa rodada de mate em sua casa, foi quem nos contou, a mim e ao radialista Antonio Carlos Valente, sobre essa longa querela que manteve com Mário Cunha, através de suas respectivas colunas de jornal, que Mário afinal venceu, dando-lhe o golpe de misericórdia com um artigo intitulado “A PÁ DE CAL”.

Com isso, Caggiani reconheceu a superioridade dialética do adversário, a quem muito admirava, e então cessaram os debates.

Conversando com o Dr. Fernando Góes, disse-nos que não apenas conheceu Mário Cunha pessoalmente, mas também com ele conviveu, visto que era amigo do seu pai Francisco, e do seu tio Severino, outra figura extraordinária que, certa vez, conversando com um cônsul da França que visitava a fronteira, este lhe perguntou como ele, vivendo nestas paragens bravias, conhecia tão bem o idioma francês.

Ao que Severino respondeu:

“Nesta fronteira agreste, qualquer peão de estância fala bem o francês!”

O que o Cônsul não sabia era que o seu interlocutor havia estudado na Suíça.

Quanto a Mário Cunha, teve muitas passagens dignas de serem relembradas. Uma delas aconteceu quando participava de um Júri, numa pequena cidade do interior gaúcho, como advogado de defesa, enquanto outro reconhecido e brilhante advogado, natural do lugar, atuava na acusação. Num certo momento, o outro advogado, fazendo uso da palavra, perguntou a Mário se ele, sendo da Fronteira, não conhecia esta frase do Martin Fierro: “Onde baila este toro no baila ningún ternero ...”

Ao que Mário Cunha, percebendo a ironia, respondeu:

“Sim. Claro que conheço. Mas saiba o nobre colega que nestas minhas andanças pelo Rio Grande afora, tenho agarrado muitos desses touros pelas guampas ...”

Outra vez, havendo um touro seu ganhado um prêmio numa exposição, convidou seus amigos para comemorarem com um churrasco em sua chácara, lá no Marco do Lopes. Como não havia nenhuma rês para carnear, mandou um empregado na cidade comprar alguns quilos de carne. Mas o homem começou a demorar, já passava do meio dia, e todos estavam com muita fome.

Mário Cunha deu uma pitada no seu charuto, olhou pensativamente para a estrada e disse: “Sabem de uma coisa, vamos abater este touro”.

E acabaram almoçando o touro premiado.

Luciano Machado

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