quarta-feira, 18 de junho de 2014

FRANCISCO (II)

Eu havia deixado meu Maverick estacionado junto à calçada da Voluntários da Pátria, em frente ao velho hotel onde o Francisco residia. 

Entramos no Maverick e logo em seguida rumávamos pela avenida Farrapos. 

Daí a quinze minutos estacionávamos em frente ao Hotel De Conto, onde entrei e me dirigi à portaria, reservando um quarto com banheiro e deixando lá a minha sacola de viagem. 

E então dali nos dirigimos à Churrascaria Boi na Brasa, a duas quadras. 

Logo ao entrar, nos deparamos com o Paulo Santana, que estava sentado a uma mesa acompanhado de uma senhora e uma menina. 

A churrascaria estava cheia. 

Eu e o Francisco tomamos uma mesa perto da parede onde havia um enorme mapa antigo da Alemanha. 

Conhecedor que era de geografia, apaixonado por mapas antigos e pelo estudo das etnias estrangeiras, o Francisco se ergueu da cadeira e foi até o mapa que estava afixado na parede a dois metros de distância, e ali começou a me mostrar, apontando no mapa com o dedo para os diversos cantões da Alemanha e dizendo para mim em voz alta de onde provinham respectivamente as diferentes famílias de imigrantes como os Schmidt, os Müller, etc. 

Diante daquele sujeito falando comigo em voz alta, o rumor de vozes das pessoas ao redor silenciou e todos ficaram admirados com a naturalidade, a desenvoltura e o conhecimento demonstrados pelo Francisco, traduzindo para o português e nomeando as diferentes localidades do mapa. 

Vendo que as pessoas ali presentes estavam prestando atenção no que dizia, até porque algumas eram de origem alemã, começou a se dirigir também a elas, inclusive respondendo a algumas perguntas, enquanto eu fazia os pedidos de bebida ao garçom, antes de nos dirigirmos ao bufet com toda uma variedade de saladas e carboidratos para acompanhar a carne que depois seria servida à moda espeto corrido. 

Voltando à mesa satisfeito com a atenção e a receptividade que recebera das pessoas em sua “aula de geografia e etnia alemã”, Francisco pediu ao garçom um vinho tinto seco. E então nos dirigimos ao bufet para nos servirmos de saladas, arroz e outros carboidratos. 

O churrasco estava muito bom e ali permanecemos quase duas horas comendo, bebendo e conversando sobre diversos assuntos, desde política até astronomia, pois o Francisco, com seus 67 anos de idade, era um sujeito extraordinariamente bem informado e possuidor de uma grande cultura intelectual. 

Era passado da meia noite quando deixamos a churrascaria e o levei de volta ao seu hotel da Voluntários. 

Ao chegarmos na frente, havia um pequeno tumulto e as mulheres estavam agitadas. Um cafetão havia empurrado escada abaixo um pobre diabo que havia tentado “beiçar” uma mulher e o sujeito, tendo caído pela escada, havia se machucado. 

Esta é uma cena comum por aqui. Só acontece entre eles e a polícia não intervém. Mas não te preocupa. Sempre que vieres aqui à minha procura, diz que és amigo do Francisco e não passa nada. 

E assim nos despedimos, eu e o Francisco, naquela noite de sexta-feira, em dezembro de 1989.

Luciano Machado



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