quarta-feira, 18 de junho de 2014

Benito Orlando Cademartori


Em dezembro de 1963 comecei a trabalhar no grupo empresarial Cademartori, inicialmente na portaria, como ajudante do saudoso amigo Edgard Prates Paulo, que era o zelador do prédio e encarregado de serviços gerais.

 Depois fui chamado para trabalhar no escritório da empresa, que ficava no andar de cima, como auxiliar direto do Benito, que era um dos procuradores e o mais jovem irmão do diretor-geral Sr. Sylvio Pouey Cademartori.

Como auxiliar do Benito, fui aprendendo a lidar com os papéis e a documentação do setor de exportação de madeiras,  me familiarizei com o serviço bancário e  os contatos com os escritórios dos despachantes aduaneiros da época, entre os quais, no Brasil, Jaime Schiller e Ruy Lopes dos Anjos; e  no Uruguai, os despachantes Frós,  Angel Andrés e Luchesi.

 O ambiente de trabalho era dos mais fraternos e fora dele também.  Juntamente com o Benito, o meu compadre Adão Dorival Costa Silveira, o poeta Joaquim de Abreu Fialho, o Sr. Mário Simões Pires, que era o nosso chefe de escritório, e às vezes o nosso colega e amigo Omar Lapuente, assistimos a muitas sessões de cinema, quando ainda tínhamos o privilégio de ver, aqui na fronteira,  filmes franceses, ingleses e italianos. 

Também frequentávamos, nessa época, o Restaurante Sabo e a churrascaria El Rancho em Rivera, e nos finais de semana, em seu Packard lotado de gente, nos tocávamos com o Benito para o Aeroclube, de cuja diretoria ele fazia parte.

Andar de avião com o Benito era uma aventura das mais arriscadas e emocionantes.  Cada final de semana ele convidava um colega para dar um passeio de avião e perder o medo de voar. 

Quando chegou a minha vez, eu me lembro que decolamos do aeroclube e logo em seguida sobrevoávamos o Parque Grã-Bretanha, no lado uruguaio da fronteira.

Era um domingo de tarde e o autódromo estava lotado.  Depois de sobrevoarmos o parque e a represa de Rivera, o Benito inventou de dar uns rasantes sobre a pista de corrida, o que assustou e irritou enormemente o pessoal que ali se encontrava.

Outra proeza do Benito era ir de avião até a fazenda do seu irmão, Don Sylvio, e chegando lá, depois de se elevar a algumas centenas de metros, largar o avião de bico, em parafuso, deixando o pessoal indignado com essa brincadeira.

Outra grande figura, que Deus o tenha, era o seu irmão Menotti.  Uma vez o Menotti telefonou de Uruguaiana, aí pelas 4 horas da tarde, dizendo que tinha sofrido um acidente.  Preocupado, Don Sylvio pediu para o Benito pegar um avião no aeroclube e voar urgentemente para Uruguaiana a fim de atender ao Menotti.

Lá chegando, o Benito deixou o avião no aeroclube, pediu um táxi e se dirigiu ao endereço onde o Menotti havia dito que se encontrava, na rua tal número tal.  Mas qual não foi a sua surpresa quando encontrou o Menotti num hotel, em perfeito estado de saúde, dizendo que sofrera um ligeiro mal estar, porém  já havia se recuperado e estava muito bem.

Com o seu automóvel Packard, o Benito proporcionava um espetáculo que sempre se repetia em dias de chuva.  Ele fazia um cavalo de pau antes de entrar no portão principal, ou seja, em vez de dobrar à direita, freava abruptamente fazendo com que o seu carrão resvalasse nos paralelepípedos molhados e ficasse em posição perpendicular à entrada do portão da garagem da firma.

Mais tarde o Benito trocaria o seu Packard por um Aero Willys azul, que o acompanhou por muitos anos, mesmo depois que foi gerenciar o escritório da empresa em Porto Alegre.

O Benito dava um olho por uma briga.  Sempre foi assim.  E para não perder o costume, depois que foi para Porto Alegre, quando  um ônibus lhe cortava a frente na Av. Farrapos, ele acelerava o seu Aero Willys,  interceptava o ônibus lá adiante, parava no meio da rua e descia do carro para tirar satisfação do motorista.  O motorista apavorado, imaginando quem podia ser aquele homem que parava o seu automóvel no meio da faixa e interrompia o trânsito para lhe tirar satisfações, pedia desculpas e ia embora.

Depois que prestei o serviço militar, retornei à empresa e também fui transferido para a filial de Porto Alegre, para trabalhar com o Benito.

Nessa época, além do Gerson e da Denise, o Benito também já era pai dos gêmeos Jaime e Juarez.

A nossa rotina laboral em Porto Alegre era a seguinte: de manhã ficávamos os dois no escritório e na parte da tarde eu ficava sozinho, enquanto o Benito ia para o Centro atender o serviço bancário.  Depois dos bancos ele costumava chegar no escritório do despachante Antonio Delapieve, onde se demorava até às sete ou oito horas da noite, chegando no escritório aí pelos 8:30.  Então preparávamos a correspondência para Livramento, que ele me ditava e eu datilografava.  Essa correspondência, às vezes demorada, devia ficar pronta até às dez horas da noite, hora em que saía o ônibus da rodoviária para Livramento.  Mas às vezes passava da hora e tínhamos que sair de carro, em alta velocidade, atrás do ônibus da empresa Ouro e Prata, que geralmente interceptávamos depois da ponte do Guaíba, para entregar o pacote com a correspondência para Livramento diretamente ao motorista.

Consegui trabalhar com o Benito em Porto Alegre durante um ano e meio, atendendo ao serviço geral do escritório e redigindo a correspondência diária, ditada por ele, que eu datilografava e devia estar pronta até às 22 horas, de modo que permanecíamos envolvidos com o trabalho do escritório de doze a catorze horas por dia.

Em 1969, em função dessa carga horária e do volume de serviço, o Benito era pavio curto e eu também,  nos desentendemos  e eu  retornei para Livramento.

Continuei trabalhando na firma em Sant’Ana do Livramento até 1979, quando então fiz concurso e ingressei no Banco do Brasil.

Nessa oportunidade, Dona Flora Cademartori Mendina, Dona Zulma Peres Cademartori, viúva de Antonio Augusto, e seus filhos Sylvio Cademartori Neto, João Francisco e Paulo de Tarso Peres Cademartori, de comum acordo,  tiveram a generosidade de me conceder uma rescisão de contrato de trabalho com indenização por parte da empresa, pagando-me o FGTS e todos os demais direitos trabalhistas.  Não podia deixar de registrar meu reconhecimento, abrindo um parêntese nesta crônica sobre o Benito, a esse gesto de nobreza e camaradagem da família Cademartori.  

Em 1981 o Benito veio me visitar na agência do BB de Santana do Livramento.

Depois não nos vimos mais, até que ele veio a falecer, em Porto Alegre, em 1986.

O Benito, hoje representado por seus familiares, D. Telma e filhos, com os quais compartilho a minha saudade, foi sem dúvida um grande chefe, mestre e amigo.

Luciano Machado



Um comentário:

  1. Oi Luciano, aqui é o Jaime, filho do Benito. Tocante o teu texto sobre o meu pai. Vou repassá-lo às minhas filhas e aos meus netos, para que eles conheçam um pouco da história dos genes (fortes) da familia. Um forte abraço!

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