terça-feira, 17 de junho de 2014

OSCAR FONTOURA CADEMARTORI


Lá pelo ano de 69, depois de trabalhar um bom tempo como funcionário da empresa do Sr. Diamantino Menezes, o Oscar foi convidado por seu irmão Sylvio para vir trabalhar na empresa familiar.

Nessa época eu havia retornado de Porto Alegre, onde trabalhava com o seu irmão Benito, e agora passava  a trabalhar junto com o Oscar numa firma nova, recém criada, do mesmo grupo empresarial Cademartori, destinada a importar cimento e cerveja do Uruguai e a vender no mercado interno.

Nessa empresa o Oscar era o encarregado e eu atendia o departamento de pessoal.

Como vendíamos cimento para todo o estado, com transporte através da viação férrea, havia uma firma de Uruguaiana que nos comprava muito, semanalmente, mas o cliente costumava dar um cheque na sexta-feira de manhã e este cheque, por ser da agência bancária de Uruguaiana, não podia ser cobrado em Livramento.  Teria que ser depositado na conta de nossa firma para ser compensado, e o seu valor só estaria disponível  na semana seguinte.

Então eu e o Cleber Jesus, acompanhados do nosso chefe  Oscar, éramos escalados para dar um passeio até Uruguaiana.  Saíamos numa camioneta Variante antes do meio dia e pegávamos a velha e poeirenta estrada de chão, chegando lá antes de encerrar o expediente bancário e a tempo de cobrar o cheque.

Ás vezes tínhamos que sair de Livramento abaixo de chuva e enfrentar o barral da estrada de chão até Uruguaiana, o que não era fácil, pois em muitos trechos a nossa camioneta se atravessava  e patinava no lamaçal.

Numa dessas viagens, em que chovia torrencialmente, durante um longo trecho tivemos de concorrer com um Rally de carros que vinham de Montevidéu e entraram na estrada em Quarai.  Eu, o Cleber e o Oscar nos revezávamos na direção e volta e meia tínhamos que parar e um de nós descer da camioneta, com botas de borracha e capa de chuva com capuz, e limpar o barro do pára-brisas que os carros que nos ultrapassavam jogavam sobre os  vidros da nossa camioneta  e os cobriam totalmente.  Essa viagem foi um horror.  Chegamos em Uruguaiana no final da tarde e o Banco já estava encerrando o expediente, mas felizmente conseguimos chegar a tempo de entrar na agência antes de fechar e cobrar o cheque na tesouraria.

Com o passar do tempo, eu e o Oscar nos tornamos companheiros de viagem no cumprimento de várias missões.

Uma vez, por um equívoco de informação num boletim da CACEX que circulava na Europa, recebemos uma carta de crédito da Grécia pedindo algumas toneladas de soja.  Como não trabalhávamos com esse produto agrícola, o nosso chefe Sylvio nos incumbiu, eu e o Oscar, de viajarmos a Dom Pedrito para averiguar os preços e se possível adquirir o soja necessário para atender ao pedido dos gregos.

Naquela época a estrada para Dom Pedrito também era de chão, e viajamos no meu fusquinha.  Saímos daqui num sábado de manhã e chegamos a Dom Pedrito antes do meio dia.  Fomos almoçar na churrascaria do Santinho, que ficava na esquina da praça principal.  A churrascaria do Santinho era muito afamada.  E nessa ocasião ele mesmo nos disse que era um privilégio receber famílias de Livramento que iam nos finais de semana especialmente para almoçar em sua churrascaria, entre as quais a do empresário santanense Antonio Planella.  Nunca perguntei ao amigo Antoninho Planella se isto era verdade.

 Depois, na parte da tarde, eu e o Oscar saímos atrás dos plantadores de soja da cidade e visitamos vários deles.  Numa dessas granjas estavam em plena festa, pois era o aniversário de quinze anos da filha de um produtor, Bolson, se não me engano.  A festa ia durar três dias e nos convidaram para ficar, mas como a nossa permanência na cidade era até o dia seguinte, eu e o Oscar agradecemos o convite.

Na parte da noite, depois de jantarmos num restaurante, fomos ao cinema, pois estava passando em Dom Pedrito um filme mexicano daqueles a que assistíamos no cine Astral.  O Oscar gostava tanto de cinema que colecionava álbuns com fotografias autografadas por artistas famosos de Hollywood.

Depois de pernoitarmos no Hotel Ponche Verde, às seis horas da manhã, mesmo sem tomar café, pagamos a conta e saímos para o interior do município a ver se conseguíamos contatar com mais algum plantador de soja e nessa ocasião ficamos amigos de um cidadão francês, plantador de soja do município de Bagé, que acabou nos desaconselhando a continuar em nossa pesquisa de preços.

Para resumir a história desta viagem a Dom Pedrito, não conseguindo encontrar um preço razoável que compensasse adquirir o soja para exportar com lucro,  acabamos depois pedindo o cancelamento da carta de crédito.

Porém, como tínhamos o resto do domingo praticamente livre, aproveitamos para chegar num armazém de campanha e tomar um café.  Mas não havia pão no bolicho.  Apenas mortadela, bolacha cabeça de anjo  e café preto.  Tomamos café assim mesmo.

E enquanto tomávamos café nesse armazém, que era rodeado por altos eucaliptos, começaram a chegar várias carruagens, aranhas e charretes, todas muito bonitas, revestidas de couro e puxadas por belos cavalos.  Eram as famílias que chegavam para uma festa tradicional que se realizava aos domingos naquele lugar, com música, bailados e carreira de cancha reta.  Todas estas coisas de certo modo nos valeram a viagem. Ao meio dia almoçamos numa churrascaria muito boa, com espeto corrido, e voltamos para Livramento.

Muitas foram as histórias que vivenciamos juntos, eu e o Oscar, algumas vezes em companhia do nosso amigo e colega  professor Enio Correa de Brum, que era o nosso chefe de depósito de cimento,  e do amigo João José Varela Souto, que era nosso representante vendedor, os quais merecem, cada um deles, uma crônica particular.

Mas voltando a falar no Oscar, ele era um grande conhecer de astrologia e quiromancia e suas previsões eram muito certas.  Uma vez sua esposa Iris convidou algumas amigas para um chá da tarde no apartamento deles, em frente à Praça Flores, e uma das senhoras pediu para que o Oscar examinasse a sua mão.  Com a franqueza que lhe era habitual o Oscar lhe deu três meses de vida, o que felizmente não se cumpriu, mas o Oscar ficou proibido por sua esposa de ler a mão de suas amigas. 

Ainda no tempo do empresário Diamantino Menezes, de que o Oscar era o braço direito, toda vez que o Don Diamantino viajava o Oscar não ia trabalhar.  E numa dessas oportunidades em que o Sr. Diamantino viajou, sem avisar para onde ia, o Oscar resolveu viajar também, e acabaram, para espanto recíproco, se encontrando em Montevidéu, na Av. 18 de Júlio.

Uma das manias do Oscar era se vestir com um casaco de couro e um boné com rabo de raposa  à semelhança do famoso caçador norte-americano Daniel Boone.  Numa dessas oportunidades, sabendo que o chefe Sylvio tinha viajado para campanha, o Oscar compareceu ao escritório totalmente vestido de Daniel Boone e com uma comprida espingarda de caça.  Era um sábado de manhã.  E assim vestido, o Oscar ficou sentado com os pés em cima da sua escrivaninha, e toda vez que algum colega abria a porta para entrar no escritório, o Oscar apontava a sua carabina para o recém chegado.  Mas resulta que o nosso chefe Sylvio, a quem, mesmo sendo seu irmão o Oscar muito respeitava, havia retornado de campanha, e ao abrir a porta sem bater e entrar no escritório, topou-se com o Oscar vestido de caçador e apontando-lhe a arma.

Dom Sylvio, que era um homem austero, apenas perguntou:

-- O que é isso, Oscar ? !

E o Oscar, retirando o seu gorro de Daniel Boone e depondo a arma:

-- Me desculpa, Sylvio !  Eu estava apenas fazendo uma brincadeira com o pessoal.

O nosso chefe sorriu e depois de perguntar como estavam todos, subiu para o seu gabinete.

Eu e o Oscar trabalhamos juntos até ele se aposentar, mas continuei seu amigo e de sua esposa escritora e poetisa Iris Urquhardt, que sempre brincava dizendo que era uma das herdeiras do Castelo de Urquhardt, junto ao Lago Ness, na Escócia.

O Oscar também foi meu padrinho de casamento, em 1972.

Uma das coisas admiráveis, feitas pelo Oscar, foi escrever um livro de memórias da família, profusamente ilustrado com fotos, que eu tive a honra e o privilégio de examinar em primeira mão, antes de ele concluir e mandar fazer cópias, uma para cada um de seus filhos, Tânia, Sérgio e Carlos Henrique.

Também ele estava escrevendo um longo romance, em que pretendia contar a história épica e ilustrada do faroeste norte-americano e já havia escrito mais de quinhentas páginas datilografadas deste livro, quando me submeteu uma cópia para revisar.  Não sei no que deu este seu volumoso romance épico, cujo grande sonho seu, era de que fosse transformado em filme.

A última vez que vi o meu amigo Oscar foi uma semana antes de ele ter sofrido um mal súbito em seu apartamento, quando então foi levado para Porto Alegre por sua filha Tânia e por seu genro Rodolfo.

As últimas notícias que soube dele foram por intermédio do nosso amigo Sr. Orestes Rosa Ilha, que se comunicava por telefone com a professora e poetisa Izoli Cademartori Ilha, irmã do Oscar, dizendo que ele, por motivos de saúde, se encontrava residindo numa clínica.

Não sei se o meu amigo Oscar, onde estiver agora, estará em condições de lembrar e confirmar este relato.  De qualquer modo, envio-lhe o meu abraço fraterno e peço a Deus que o conserve com saúde, paz e harmonia espiritual.

Luciano Machado


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