OSCAR FONTOURA CADEMARTORI
Lá pelo ano
de 69, depois de trabalhar um bom tempo como funcionário da empresa do Sr. Diamantino
Menezes, o Oscar foi convidado por seu irmão Sylvio para vir trabalhar na
empresa familiar.
Nessa época
eu havia retornado de Porto Alegre, onde trabalhava com o seu irmão Benito, e agora
passava a trabalhar junto com o Oscar
numa firma nova, recém criada, do mesmo grupo empresarial Cademartori,
destinada a importar cimento e cerveja do Uruguai e a vender no mercado interno.
Nessa
empresa o Oscar era o encarregado e eu atendia o departamento de pessoal.
Como
vendíamos cimento para todo o estado, com transporte através da viação férrea,
havia uma firma de Uruguaiana que nos comprava muito, semanalmente, mas o
cliente costumava dar um cheque na sexta-feira de manhã e este cheque, por ser
da agência bancária de Uruguaiana, não podia ser cobrado em Livramento. Teria que ser depositado na
conta de nossa firma para ser compensado, e o seu valor só estaria disponível na semana seguinte.
Então eu e
o Cleber Jesus, acompanhados do nosso chefe Oscar, éramos escalados para dar um passeio
até Uruguaiana. Saíamos numa camioneta
Variante antes do meio dia e pegávamos a velha e poeirenta estrada de chão,
chegando lá antes de encerrar o expediente bancário e a tempo de cobrar o
cheque.
Ás vezes
tínhamos que sair de Livramento abaixo de chuva e enfrentar o barral da estrada
de chão até Uruguaiana, o que não era fácil, pois em muitos trechos a nossa
camioneta se atravessava e patinava no
lamaçal.
Numa dessas
viagens, em que chovia torrencialmente, durante um longo trecho tivemos de
concorrer com um Rally de carros que vinham de Montevidéu e entraram na estrada
em Quarai. Eu , o Cleber e o Oscar nos
revezávamos na direção e volta e meia tínhamos que parar e um de nós descer da
camioneta, com botas de borracha e capa de chuva com capuz, e limpar o barro do
pára-brisas que os carros que nos ultrapassavam jogavam sobre os vidros da nossa camioneta e os cobriam totalmente. Essa viagem foi um horror. Chegamos em Uruguaiana no final da tarde e o
Banco já estava encerrando o expediente, mas felizmente conseguimos chegar a
tempo de entrar na agência antes de fechar e cobrar o cheque na tesouraria.
Com o
passar do tempo, eu e o Oscar nos tornamos companheiros de viagem no
cumprimento de várias missões.
Uma vez,
por um equívoco de informação num boletim da CACEX que circulava na Europa,
recebemos uma carta de crédito da Grécia pedindo algumas toneladas de
soja. Como não trabalhávamos com esse
produto agrícola, o nosso chefe Sylvio nos incumbiu, eu e o Oscar, de viajarmos
a Dom Pedrito para averiguar os preços e se possível adquirir o soja necessário para atender ao pedido dos gregos.
Naquela
época a estrada para Dom Pedrito também era de chão, e viajamos no meu
fusquinha. Saímos daqui num sábado de
manhã e chegamos a Dom Pedrito antes do meio dia. Fomos almoçar na churrascaria do Santinho,
que ficava na esquina da praça principal. A churrascaria do Santinho era muito
afamada. E nessa ocasião ele mesmo nos
disse que era um privilégio receber famílias de Livramento que iam nos finais
de semana especialmente para almoçar em sua churrascaria, entre as quais a do
empresário santanense Antonio Planella.
Nunca perguntei ao amigo Antoninho Planella se isto era verdade.
Depois, na parte da tarde, eu e o Oscar saímos
atrás dos plantadores de soja da cidade e visitamos vários deles. Numa dessas granjas estavam em plena festa,
pois era o aniversário de quinze anos da filha de um produtor, Bolson, se não
me engano. A festa ia durar três dias e
nos convidaram para ficar, mas como a nossa permanência na cidade era até o dia
seguinte, eu e o Oscar agradecemos o convite.
Na parte da
noite, depois de jantarmos num restaurante, fomos ao cinema, pois estava
passando em Dom Pedrito
um filme mexicano daqueles a que assistíamos no cine Astral. O Oscar gostava tanto de cinema que
colecionava álbuns com fotografias autografadas por artistas famosos de
Hollywood.
Depois de
pernoitarmos no Hotel Ponche Verde, às seis horas da manhã, mesmo sem tomar
café, pagamos a conta e saímos para o interior do município a ver se
conseguíamos contatar com mais algum plantador de soja e nessa ocasião ficamos
amigos de um cidadão francês, plantador de soja do município de Bagé, que acabou
nos desaconselhando a continuar em nossa pesquisa de preços.
Para
resumir a história desta viagem a Dom Pedrito, não conseguindo encontrar um
preço razoável que compensasse adquirir o soja para exportar com lucro, acabamos depois pedindo o cancelamento da carta de crédito.
Porém, como
tínhamos o resto do domingo praticamente livre, aproveitamos para chegar num
armazém de campanha e tomar um café. Mas
não havia pão no bolicho. Apenas
mortadela, bolacha cabeça de anjo e café
preto. Tomamos café assim mesmo.
E enquanto
tomávamos café nesse armazém, que era rodeado por altos eucaliptos, começaram a
chegar várias carruagens, aranhas e charretes, todas muito bonitas, revestidas
de couro e puxadas por belos cavalos. Eram
as famílias que chegavam para uma festa tradicional que se realizava aos
domingos naquele lugar, com música, bailados e carreira de cancha reta. Todas estas coisas de certo modo nos valeram
a viagem. Ao meio dia almoçamos numa churrascaria muito boa, com espeto corrido,
e voltamos para Livramento.
Muitas
foram as histórias que vivenciamos juntos, eu e o Oscar, algumas vezes em companhia
do nosso amigo e colega professor Enio
Correa de Brum, que era o nosso chefe de depósito de cimento, e do amigo João José Varela Souto, que era
nosso representante vendedor, os quais merecem, cada um deles, uma crônica
particular.
Mas
voltando a falar no Oscar, ele era um grande conhecer de astrologia e
quiromancia e suas previsões eram muito certas.
Uma vez sua esposa Iris convidou algumas amigas para um chá da tarde no
apartamento deles, em frente à Praça Flores, e uma das senhoras pediu para que
o Oscar examinasse a sua mão. Com a
franqueza que lhe era habitual o Oscar lhe deu três meses de vida, o que
felizmente não se cumpriu, mas o Oscar ficou proibido por sua esposa de ler a
mão de suas amigas.
Ainda no
tempo do empresário Diamantino Menezes, de que o Oscar era o braço direito,
toda vez que o Don Diamantino viajava o Oscar não ia trabalhar. E numa dessas oportunidades em que o Sr.
Diamantino viajou, sem avisar para onde ia, o Oscar resolveu viajar também, e
acabaram, para espanto recíproco, se encontrando em Montevidéu, na Av. 18 de
Júlio.
Uma das
manias do Oscar era se vestir com um casaco de couro e um boné com rabo de raposa à semelhança do famoso caçador
norte-americano Daniel Boone. Numa
dessas oportunidades, sabendo que o chefe Sylvio tinha viajado para campanha, o
Oscar compareceu ao escritório totalmente vestido de Daniel Boone e com uma comprida
espingarda de caça. Era um sábado de
manhã. E assim vestido, o Oscar ficou
sentado com os pés em cima da sua escrivaninha, e toda vez que algum colega
abria a porta para entrar no escritório, o Oscar apontava a sua carabina para o
recém chegado. Mas resulta que o nosso
chefe Sylvio, a quem, mesmo sendo seu irmão o Oscar muito respeitava, havia
retornado de campanha, e ao abrir a porta sem bater e entrar no escritório, topou-se
com o Oscar vestido de caçador e apontando-lhe a arma.
Dom Sylvio,
que era um homem austero, apenas perguntou:
-- O que é
isso, Oscar ? !
E o Oscar,
retirando o seu gorro de Daniel Boone e depondo a arma:
-- Me
desculpa, Sylvio ! Eu estava apenas fazendo uma brincadeira com o pessoal.
O nosso chefe sorriu e depois de perguntar como estavam todos, subiu para o seu gabinete.
Eu e o
Oscar trabalhamos juntos até ele se aposentar, mas continuei seu amigo e de sua
esposa escritora e poetisa Iris Urquhardt, que sempre brincava dizendo que era
uma das herdeiras do Castelo de Urquhardt, junto ao Lago Ness, na Escócia.
O Oscar
também foi meu padrinho de casamento, em 1972.
Uma das
coisas admiráveis, feitas pelo Oscar, foi escrever um livro de memórias da
família, profusamente ilustrado com fotos, que eu tive a honra e o privilégio
de examinar em primeira mão, antes de ele concluir e mandar fazer cópias, uma
para cada um de seus filhos, Tânia, Sérgio e Carlos Henrique.
Também ele
estava escrevendo um longo romance, em que pretendia contar a história épica e
ilustrada do faroeste norte-americano e já havia escrito mais de quinhentas
páginas datilografadas deste livro, quando me submeteu uma cópia para
revisar. Não sei no que deu este seu
volumoso romance épico, cujo grande sonho seu, era de que fosse transformado em
filme.
A última
vez que vi o meu amigo Oscar foi uma semana antes de ele ter sofrido um mal
súbito em seu apartamento, quando então foi levado para Porto Alegre por sua
filha Tânia e por seu genro Rodolfo.
As últimas
notícias que soube dele foram por intermédio do nosso amigo Sr. Orestes Rosa
Ilha, que se comunicava por telefone com a professora e poetisa Izoli
Cademartori Ilha, irmã do Oscar, dizendo que ele, por motivos de saúde, se
encontrava residindo numa clínica.
Não sei se
o meu amigo Oscar, onde estiver agora, estará em condições de lembrar e
confirmar este relato. De qualquer modo,
envio-lhe o meu abraço fraterno e peço a Deus que o conserve com saúde, paz e harmonia espiritual.
Luciano
Machado
Nenhum comentário:
Postar um comentário